As fake news e a emergência de uma nova sociabilidade
(Arte Revista CULT)
No dia 8 de fevereiro, o jornal Folha de S.Paulo decidiu que não iria mais publicar seus conteúdos no Facebook. O motivo foi a alteração dos algoritmos da rede social que passou a privilegiar a interação dos seus usuários com os perfis que mantém maior interatividade e afinidade, em detrimento das páginas mantidas por órgãos de comunicação. Segundo a própria Folha, mesmo antes desta mudança dos algoritmos, a interação de páginas dos dez maiores jornais brasileiros tinha caído 32%.
Esta relação da rede social de Zuckerberg com a mídia tradicional tem sido tensa e expressa esta mudança no ecossistema de comunicação, conforme abordei nas colunas anteriores. A argumentação dos donos da mídia tradicional é que a arquitetura do Facebook, particularmente após esta mudança dos algoritmos, privilegia a disseminação das chamadas fake news (notícias falsas), uma vez que o que vai importar na circulação da informação é o fato dela pertencer aos círculos de afinidades pessoais dos usuários. É o reforço das chamadas “bolhas sociais”.
Em uma matéria publicada no mesmo dia 8 de fevereiro, a Folha de S.Paulo apresentou um levantamento em que constata que o alcance de páginas que divulgam fake news no Facebook cresceu 61,6% enquanto as que o jornal chama de “jornalismo profissional” caiu 21%. O levantamento foi feito entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018.
As páginas de fake news que mais cresceram segundo este levantamento foram: “Apoiamos a Operação Lava-Jato”, “Partido Anti-PT”, “Folha Política”, “Plantão Brasil”, entre outras.
O que é sintomático neste estudo é que estas páginas classificadas como de fake news pelo levantamento da Folha de S.Paulo estão alinhadas ideologicamente com a maioria dos jornais da grande imprensa que reclamam desta “concorrência desleal” na rede social. Isto nos leva a refletir se o problema é apenas de responsabilidade dos algoritmos do Facebook ou se é do clima de radicalidade política construída pelo próprio jornalismo de campanha das mídias tradicionais.
Segundo levantamento feito pelo observatório Manchetômetro, que monitora as manchetes dos principais jornais brasileiros, desde 2015 o chamado “jornalismo profissional” tem sido extremamente desfavorável a personagens como Lula nas matérias.
É evidente que este comportamento ideológico do jornalismo tem impactos na opinião pública. E isto reverbera nas redes sociais em que esta percepção negativa se transforma em um comportamento de busca de narrativas que confirmem posições pré-concebidas.
O professor Muniz Sodré, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que as tecnologias da informação e comunicação geram uma “tecnologia de sociabilidades”. Tal tecnologia é disruptiva em relação à concepção autocentrada e universal de sujeito, já desmontada com os deslocamentos impostos pelas reivindicações de movimentos sociais de especificidades de classe, etnia e gênero, em particular das suas posições sociais. Os projetos destes movimentos, que têm o seu auge nos anos 1960 – mas que são reapropriados pelas lógicas discursivas do “fim das utopias” e das “grandes narrativas” nos anos 1980 -, dão base para um relativismo absoluto na contemporaneidade, sendo esta a base política que configura as atuais tecnologias de sociabilidades.
Em outras palavras, a disputa entre a mídia tradicional e o Facebook, além da disputa do bolo publicitário (conforme vimos na coluna anterior, a maior parte do capital mídia é apropriado pelos suportes distributivos e não o setor de produção de conteúdo), se dá entre uma velha forma de exercício de poder, baseada na autoridade de fala conferida a um conhecimento centrado na razão instrumental (e daí os seus protagonistas se autolegitimam como detentores de saberes instituídos, os intelectuais orgânicos do poder) e uma nova forma de poder que nasce a partir da visibilidade garantida pelo poder de sedução (protagonistas legitimados pela capacidade de mobilizar sensações íntimas, as chamadas celebridades).
Um copo com metade da sua capacidade de água pode ser considerado meio cheio ou meio vazio. Ambas afirmações são verdadeiras mas indicam aspectos valorativos distintos que para se legitimarem necessitam de uma ordem de argumentos (os porquês de usar cheio ou vazio para definir este copo). As redes sociais, entretanto, possibilitam equivaler neste debate uma afirmação de que este copo está “totalmente vazio” ou “totalmente cheio”. E o alcance destas afirmações dar-se-á não por uma ordem argumentativa mas pela capacidade de sedução de quem a narra.