Extrair a beleza do mal
Autorretrato de Baudelaire, 1848 (Wikimedia Commons)
Charles Baudelaire (1821-1867) sabia que a poesia tem um pacto com o Mal. Seu poder transgressivo não se resume à liberdade de expressão, que resiste, cedo ou tarde, à ignorância de moralistas e juízes de todas as épocas. Ele também se afirma ante o controle fascista da própria língua, para lembrar, de passagem, uma formulação conhecida de Roland Barthes. Baudelaire sofreu com a ignorância dos censores e da grande imprensa. Teve seis poemas arrancados de seu livro, a mando da justiça, um mês após a publicação, em junho de 1857. Seus detratores, que não eram poucos à época, o acusavam de realismo grosseiro e perversidade. Seus defensores juravam que As flores do Mal afirmavam, mas não aprovavam o Mal. O fato é que aqueles cem poemas que ajudaram a fundar a poesia moderna revelam a face escura do “hipócrita leitor”, que não estava muito disposto a se ver no espelho e reconhecer sua “depravação natural”. A literatura assusta, pois está acima de todo controle moral. “Ela é irresponsável. Nada repousa sobre ela. Ela pode dizer tudo”, segundo Georges Bataille.
Paul Ricœur nos diz que o Mal é um desafio à filosofia e à teologia. O Mal nos põe diante do absurdo, do irrepresentável, do incognoscível. Como explicar o Holocausto? Como explicar a tortura? Como explicar os genocídios? Como explicar os crimes de ódio? Como explicar a fúria humana? Baudelaire, em seus escritos íntimos, fala em “gosto natural da destruição”. Bataille diferencia o “Mal considerado à luz de uma atração desinteressada pela morte” do
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