Em Duque de Caxias, professores adoecem e prefeito rasga protocolos

Em Duque de Caxias, professores adoecem e prefeito rasga protocolos
Escola Municipal João Faustino de F. Sobrinho, em Duque de Caxias (Foto: Divulgação)

 

Percy Geraldo Bolsonaro, esse é o nome da Escola da Polícia Militar finalizada em tempo recorde, às margens da grande rodovia que atravessa o município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, pelo prefeito Washington Reis, nos primeiros meses do governo Jair Bolsonaro. Ao olhar de relance para essa escola sempre que retornava do trabalho para casa numa velocidade que me lembra agora a própria velocidade com que foi finalizada e inaugurada, com a presença solene do presidente da República e sua comitiva, me lembro, também rapidamente, da primeira escola em que trabalhei em Duque de Caxias, e que recebeu – não havia muito tempo quando cheguei à cidade como professora de adolescentes, jovens e adultos do ensino fundamental – o nome de um professor querido, empenhado e apaixonado pelo seu trabalho no lugar do seu primeiro nome, Escola Municipal 31 de Março, com o qual muitos moradores mais velhos ainda hoje se referem a ela. Eu pensava também em uma pergunta, retórica e desalentada, que ouvi de um colega num dos intervalos de nossas aulas do noturno, nós dois no pátio, voltados para a fachada da escola: “Por que precisa ser tão pobre?”

A escola Percy Geraldo Bolsonaro não é pobre, surgiu assim vistosa, quase imponente para os padrões locais, à margem da pista, em tempo recorde, com recursos do município que faltaram, ao longo de décadas, para retirar a maior parte de nossas escolas com nomes de educadores como João Faustino e Paulo Freire, poetas como Solano Trindade e Drummond do alcance daquela pergunta.

Não deve escapar a ninguém, igualmente, a razão pela qual a escola Militar que homenageia o presidente da República (quem foi Percy Geraldo Bolsonaro senão apenas o pai de Jair Bolsonaro?) foi finalizada pelo prefeito de Duque de Caxias fora dos padrões de pobreza da maioria das escolas do município. O reforço da aliança política pré-eleições através desse gesto de “homenagem” prosperou. Com a derrocada de Wilson Witzel e a chegada de Cláudio Castro à chefia do governo do Estado do Rio, com os seus laços muito fortes com a família Bolsonaro, o apego ao padrão bolsonarista de governo se tornou tanto mais forte quanto mais próximo Washington Reis viu abrir-se a possibilidade de disputar, com o apoio da família e do governador do estado, uma vaga para o Senado Federal.

Esse apoio, aliado ao fato de que, nas últimas eleições municipais, não obstante a sua condenação por crime ambiental no STF, foi reeleito em primeiro turno, lhe conferiu tamanha confiança que hoje é capaz de desafiar publicamente autoridades que lhe cobrem o respeito à lei ou a protocolos. Dias atrás um colunista do jornal Extra se referiu aos atos e atitudes do prefeito como “negacionismo ostentação”. Essa denominação não diz respeito apenas à falta de vergonha ou escrúpulos para assumir a sua ignorância, mas também a um modus operandi de sua pré-campanha política.

Na lógica desse negacionismo que é de raiz, mas é também bastante pragmático, bastava anunciar no final da tarde de uma sexta-feira que o retorno às aulas presenciais nas escolas da rede municipal se daria já na segunda em escolas que, mesmo tendo ficado fechadas por um ano, não receberam qualquer obra que as tornasse menos precárias num momento de emergência sanitária.

Bastava também demitir em um sábado de manhã a sua Secretária de Educação, que comunicou às equipes diretivas na sexta à noite que as escolas não reabririam na segunda, pois o município, de acordo com o boletim da Covid tornado público neste dia pela Fiocruz, chegara à bandeira vermelha, que sinaliza o alto risco de contaminação. Com o sentimento de pujança garantido pelo negacionismo federal, que acredita representar, talvez até mesmo aperfeiçoar em nível municipal, uma vez que os entraves que encontra são mais frágeis fáceis de ultrapassar, o prefeito rasgou o protocolo.

Enquanto professores adoecem, são intubados, ele garante que quem manda é ele, confiante no notório saber que tem o poder de atribuir a si próprio, uma vez que, como disse, tem especialista por aí dizendo muita besteira.

 

Ontem, em meio a uma assembleia
de professores que fazem uma Greve
pela Vida, a notícia da morte de uma
colega de trabalho contaminada pelo
vírus caiu com um peso infinitamente
maior do que o que agora suportamos,
trabalhando remotamente sem salário.

 

 

Nunca um minuto de silêncio teve para mim o significado de um silêncio que parecemos cada vez mais incapazes de ultrapassar. Em uma de suas redes sociais, a professora atacava diretamente os genocidas que criavam obstáculos para a chegada das vacinas, nas quais apostava a sua chance de chegar a 2022. Talvez algum dia possamos substituir o nome do pai do presidente na fachada da escola pelo nome dessa professora: Rosineli Barão. Porque é preciso que em algum lugar aquela pergunta que ouvi no pátio da escola, continue a ressoar, não retórica e desalentada, mas enfim a exigir uma resposta.

Simone Brantes (1963) é mestre em Filosofia e doutora em Letras (Ciência da Literatura) pela UFRJ. É poeta, tradutora e ensaísta. Seu livro de poema Quase todas as noites recebeu o Prêmio Jabuti de poesia em 2017. Há vinte anos trabalha como Professora de Português de adolescentes, jovens e adultos na Rede Municipal de Duque de Caxias-RJ.


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