Em cem contos, Bernardo Kucinski explora fraturas da sociedade e do homem
O escritor Bernardo Kucinski, que lança 'A cicatriz e outras histórias' pela Amaleda (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)
“Os mortos têm que ser enterrados”, sentencia o narrador do conto “O velório”, em referência ao gesto de Antunes e Rita, que enterram um caixão vazio em homenagem ao filho Roberto, desaparecido durante a ditadura civil-militar. O texto integra a edição de A cicatriz e outras histórias: (quase) todos os contos de Bernardo Kucinski, volume que compila cem narrativas breves escritas desde 2010, entre as quais 57 inéditas.
A necessidade dos pais de Roberto dá a tônica de muitos dos contos, povoados de assombrações, vultos, “vozes e ruídos” que “vêm de dentro”, desvelando as fraturas e traumas de um país que não enterrou seus mortos. O passado não surge estanque, mas em continuação com o presente e o futuro, em um curto-circuito de violências. Em “Encontro no porão”, por exemplo, esse passado revela-se nas fantasmagorias mutiladas e torturadas dos mortos políticos. Já em “A maldição das cem cabeças”, os horrores da ditadura arruínam um grupo de pescadores em uma região do rio Araguaia na qual não nadam mais peixes desde que ali foram naufragados os corpos assassinados pelos militares.
Esses contos ocupam a primeira seção do livro, “Histórias dos anos de chumbo”, dedicada ao período ditatorial e suas continuidades. Em outros tempos e ambientes, os contos dos demais eixos temáticos – “Instantâneos”, “Outras histórias”, “Kafkianas” e “Judaica” – não deixam, entretanto, de encerrar diversas violências, da institucional à comezinha. Influxos que se disseminam por diferentes esferas
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