Em busca de um vilarejo chamado Nick Drake

Em busca de um vilarejo chamado Nick Drake
Nick Drake aos 19 anos (Foto: Julian Lloyd)

 

Tanworth-In-Arden é um pequeno vilarejo encravado ao sul de Birmingham ao qual se chega apenas por estradas secundárias ou então de trem. A segunda opção exige uma caminhada – algo entre dois ou três quilômetros –, não há estação em Tanworth. Quem vai de trem deve pedir para descer na estação de Danzey, um pouco mais ao sul. Todo ano, entre o mês de julho e agosto, o vilarejo atrai amantes de música folk do mundo inteiro que se reúnem nesse lugar para celebrar e cantar a memória do mais amado filho dessa paisagem bucólica e pastoral: Nick Drake.

O Nick Drake Anual Gathering não é um evento de grandes proporções. Tudo é muito singelo e, por isso mesmo, muito forte e evocativo. Assim como a sua música, tudo o que se relaciona com Nick Drake é de uma austeridade estóica. Tanworth-in-Arden é uma Graceland às avessas. Nenhum traço de excesso possível.

Mesmo para além do encontro anual, os habitantes do vilarejo são acostumados com visitas de peregrinos da folk music durante todas as estações do ano. “As pessoas de lá imediatamente reconhecem que você não é dali. E quando isso acontece elas perguntam se você está ali por causa da música”, explica Ricardo Dalpra, DJ e fotógrafo curitibano que há dez anos mora na Inglaterra.

A dificuldade em encontrar o vilarejo e o fato de se percorrer a região a pé provocam uma imersão num plano de ruptura com o banal. Esse é um roteiro pautado por uma epifania, uma revelação. O epitáfio gravado na lápide de Drake foi extraído da letra de From the morning, “Now we rise and we are everywhere” (Agora nós nos levantamos e estamos em todos os lugares). Sua sentença rebate-se sobre toda a paisagem. “Chega-se à localidade por uma pequena estrada ladeada por árvores. É um túnel de árvores e então você vê ao longe a torre da igreja de Santa Madalena e logo o grande carvalho aos pés do qual está a lápide que marca o local onde as cinzas de Nick Drake foram depositadas. Por ali se escuta o rumor das crianças que estudam na escola da igreja. Dá para sentir naquela atmosfera a presença dele em todo o lugar”, descreve Dalpra.

No final do mês de novembro certamente o vilarejo deve receber mais uma vez fãs peregrinos que ali vão marcar a memória dos quarenta anos de sua morte. Drake morreu em 25 de novembro de 1974. Não se sabe ao certo se por vontade própria ou não, em função de uma superdose de barbitúricos que lhe haviam sido prescritos por conta da depressão. Sua obra ficou registrada em apenas três discos: Five leaves left, 1969, Bryter later, 1970 e Pink moon, 1972. Chegou a abrir shows para o Fairport Convention, mas na época seus discos não alavancaram e sua timidez também se transformou num obstáculo para as apresentações. De volta à rotina da casa dos pais em Far Leys, uma típica propriedade de famílias ricas no interior da Inglaterra, Drake teve seu quadro depressivo agravado. Com sua morte trágica aos vinte e seis anos de idade, Drake se transformou num mito que é projetado por gerações de fãs que se somam numa comunidade de afinidades eletivas pelo mundo todo.

Rodrigo Merheb, o premiado autor de O som da revolução – uma história cultural do rock: 1965 – 1969 (Civilização Brasileira), conheceu a musicalidade sofisticada de Drake quando morou na Inglaterra durante o começo dos anos 90: “Fui imediatamente arrebatado. Na verdade, eu achava incrível nunca ter ouvido nada sobre ele. Pensei até que fosse um compositor contemporâneo, muito em função da sonoridade não ter nada dos clichês daquela virada dos anos 60 pros 70”, explica. Segundo o historiador, a força da poética de Drake está em seu apelo aos dilemas da passagem para a vida adulta. “É muito fácil alguém de vinte e poucos anos se identificar com as canções do Nick Drake, porque elas foram escritas quando ele estava nessa faixa etária. Traduzem muito bem a confusão, as inquietações do começo da fase adulta, um tempo de observações e incertezas sobre como se posicionar no mundo. Escutei direto durante uns três anos. Hoje ouço bem menos, mas nunca deixei de acreditar que se tivesse tido tempo de amadurecer, ele teria sido um gigante, como Bob Dylan ou Van Morrison.”

O fotógrafo nova-iorquino David DiLillo também registrou sua peregrinação a Tanworth-In-Arden em 2013 num foto-documentário. No material disponibilizado em seu site há uma entrevista concedida a Paul Weiner da Critique Coletive. Nela, DiLillo descreve o impacto da evocação do artista produzida pelo vilarejo: “minha imersão se mostrou sagrada, familiar e rústica, tudo ao mesmo tempo. Lembrou-me das canções dele sobre o isolamento. Não foi um sentimento negativo, mas muito mais algo como uma conexão com as sepulturas, as pastagens verdes e as pessoas ao redor. De uma maneira estranha e agradável, isso desmistificou a ideia de idolatrar um músico que eu nunca havia realmente conhecido e, ao contrário, ajudou-me a aprofundar minha compreensão dele como um homem jovem que viveu uma vibrante e criativa, porém breve, vida”.

Para além da construção de uma persona de traços românticos em torno do artista, Nick Drake é uma paisagem musical e poética que abriga a potência de uma verdade vivida: a cada vez mais improvável conexão da experiência com a natureza. Se o tombo do gigante Finn deu origem à Irlanda, a morte precoce e trágica de Nick Drake colocou no mapa Tanworth-In-Arden, um vilarejo de pouco mais de três mil habitantes mas com dimensões legendárias.

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