Educar para a Vida: uma reflexão sobre Ética e Educação
Nesta quinta-feira, dia 29, terei uma conversa (palestra) com os professores da rede pública de ensino de Pitangueiras.
Escrevi um resumo, bem breve, do que conversaremos por lá. Compartilho com meus leitores.
Que Educação temos e que Educação desejamos?
A pergunta pela Educação é das mais sérias em nossa época em que a dimensão formativa da vida de todos nós, nas nossas diversas idades, está em perigo.
Com a literatura aprendemos que não há “uma” literatura, mas que a cada poema, a cada romance, a cada conto, a cada livro escrito e publicado a literatura se refaz. Do mesmo modo, com a arte. A cada vez que alguém inventa uma obra, produz um acontecimento expressivo, ele resignifica a arte na prática.
Com a filosofia descobrimos o mesmo. A história da filosofia nunca está pronta porque ela é um devir do qual todos podemos participar refazendo o sentido da experiência de pensamento e criando as condições de sua exposição, seja em aulas, debates, grupos de estudos, livros, e até mesmo nos blogs, ou em qualquer lugar no mundo vasto do ciberespaço. Verdade é que a filosofia precisa de pessoas que se reúnam em torno do poder de saber pelo amor a uma verdade que se descobre a cada experiência.
E o que é EDUCAÇÃO?
Educação é a forma própria da teoria enquanto ela é prática e da prática enquanto ela é teoria. Ou seja, Educação é um poder-saber e um saber-fazer. Esta é a sua circularidade essencial. A cada vez que eu entro na sala de aula, sei que minhas teorias são postas em prática, ou seja, que o que eu penso, o modo como vejo o mundo, e o que eu penso do outro ser humano com quem me encontro, torna-se concreto. Daí a importância da formação dos professores que, num sistema de ensino aviltante como o que temos no Brasil atual, são muitas vezes heróis desamparados quando deveriam ser profissionais respeitados por agirem na formação das subjetividades dos jovens e dos adultos que são os cidadãos também aviltados da injustiça sócio-educativa atual.
Podemos dizer que a educação, assim como a literatura, as artes e a filosofia, é também aquilo que fazemos a cada dia, a cada vez que colocamos em prática as nossas teorias relativas à formação das pessoas no seu encontro com o conhecimento. Professor é quem faz a mediação para esta aproximação e, assim, abre a janela de um novo mundo a quem pode aprender. A Educação é uma relação social e pode ser uma experiência existencial consciente.
Isso tudo quer dizer que a EDUCAÇÃO É UMA FORMA DE ÉTICA.
Educação é o tempo-espaço que se faz do encontro entre teoria e prática, entre as potências da compreensão e da ação que configuram a ética e, na sua potencialização, a política. A Educação é construtora da ética em nosso mundo à medida que forma subjetividades, em que é por meio dela que a reflexão sobre a ação própria da ética, vem ao mundo. Ética é justamente esta reflexão sobre a ação. E é reflexão comprometida com a ação transformadora. A relação entre Educação e Ética precisa ser enfatizada de modo a potencializar o caráter prático do pensamento que está no cerne da Educação.
Por isso, todos nós, sejamos professores ou estudantes, pais ou filhos, colegas ou amigos, todos nós temos que saber que a escola é uma lugar onde a Educação é exercida, mas que a escola só tem sentido enquanto ela se refere também à vida. Em outras palavras, a escola deve educar para a vida. A pergunta essencial e urgente em nosso contexto vale para todos os que estão envolvidos com a Educação dentro ou fora da escola: “sei o que estou fazendo?”. Esta é a pergunta ética por excelência.
Educação é prática cotidiana da qual estudantes, pais e professores, bem como as instituições são igualmente responsáveis. Assim, ela se reinventa por meio de nossos gestos diários. A partir desses gestos que são sementes aparentemente insignificantes é que a vida se constrói. Quem sabe esta vida, bem germinada, possa ser o exemplo para que no âmbito político as coisas se transformem na direção da justiça e dos direitos para professores e estudantes no abandonado campo da Educação.
(20) Comentários
Deixe o seu comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.
Excelente enaltecer a importância de uma educação para a VIDA. É uma ideia muito próxima da defendida pela escritora Viviane Mosé. É preciso que todos se unam para a concretização dessa necessidade, a escola precisa mudar. Marcia Tiburi e Viviane Mosé são intelectuais que não se trancam em suas torres de marfim, sempre discutindo idéias interessantes e iluminadoras na TV, na Internet (seja blogs, sites, YouTube) e etc. Como é bom ter acesso a textos e conferências delas.
Marcia, sua exposição é excelente! Educação é dos temas mais complicados… não leciono, mas boa parte dos meus colegas que se formaram em ciências sociais fizeram licenciatura, e estão encarando as escolas. A “reclamação” é aquela de sempre: alunos desinteressados, plano de ensino péssimo, sem contar o mirrado salário dos professores. Apesar do arcabouço intelectual e das inúmeras discussões acerca da educação, creio que o seu discurso e o diálogo [desculpe-me se eu estiver equivocado] com os demais torna-se mais motivacional que teórico, pois [creio] que estes que estão hoje lecionando [principalmente no ensino público] cumprem uma “missão” das mais complicadas, pelos motivos já citados. Então, você vem e diz a eles: não desistam! É por aí, ou não? Um abraço
“Sei o que estou fazendo?”
Quantas vezes me perguntei isso?! Nem sei, já perdi a conta…Educar não é instintivo, não é algo que qualquer um faz…Exige estudo, treino…erramos muitas vezes, mas sempre em busca de acertar…Acontece que não existe fórmula…e por mais que agente estude,discuta, reflita, na prática a insegurança sempre aparece…E não entendo ao certo as razões, mas o que sinto como educadora é que estamos, na maioria das vezes sozinhos, pois não há mais família como já houve um dia e o governo esquece nossa importância…Fica mais pesado, mais difícil trabalhar sem parcerias entre ações governamentais e sem o apoio da família, no que diz respeito a educação íntima…
Não é fácil…Mas é muito bom ser educador!
Para a professora, com carinho!
Quando eu fazia o quarto ano primário, num exercício de Linguagem, minha professora, D. Raimunda, nos pediu para fazer uma redação sobre o queríamos ser quando crescêssemos e por quê o queríamos. Eu disse, quero ser professora para ensinar toda criança a ter um bom coração. Esta minha justificativa, ainda que colada de um dos meus autores infantis, era pura verdade. Eu via minhas professoras como seres poderos, capazes de realmente provocar mudanças em min. Eu as achava autoridades, sábias, bondosas e amáveis, como minha mãe. Eu gostava muito de estudar. Sempre estudei em Escola Pública, tive a sorte de ter tido sempre professores excelentes. Lembro de cada um com um carinho imenso e uma sensação enorme de gratidão. Sempre vivi aqui no Brasil, e aconteceu não faz tanto tempo! Na hora de escolher uma carreira, no vestibular, eu não escolhi o magistério. Concluí que não tinha vocação. Há poucos dias ouvi um depoimento seu em uma mesa sobre Televisão, nele você dizia amar ser professora, que é como professora que você mais se realiza, caiu a ficha, não era à toa toda a reverência que eu lhe prestava, você é uma dona Raimunda para as novas gerações! Parabéns! Será com certeza uma grande palestra e, com certeza, você colocará mais um tijolinho para a construção de um mundo mais ético. Obrigada!
Márcia,
Há anos, muitos anos, ouço, leio, vejo um mesmo diagnóstico sobre a educação brasileira atual, sobre o qual tenho dúvidas significativas.
Na minha visão, a educação básica melhorou bastante, se comparada com a educação que tive nas décadas de 60 e 70. Estudei nos melhores colégios de Ribeirão Preto da época, portanto a referência na comparação não é ruim.
Eu penso que os professores de hoje são melhores preparados que os do passado, tanto em didática, quanto em conteúdo e em experiência pessoal.
Na época não havia aperfeiçoamentos disponíveis, a própria formação unversitária dos professores não estava tão evoluída quanto hoje, o mundo era mais simples, portanto a experiência pessoal era mais pobre que a atual, embora as interferências também fossem menores e isto tudo desaguava no aluno que aprendia para passar de ano, mas pouco compreendia o que aprendia, ele era mais um robozinho do que um ser pensante.
Exemplos simples são como eram ensinadas a Física, a Matemática e quase que todas as ciências, sem nenhuma vinculação com o mundo prático, o que hoje é bem diferente.
Uma mudança significativa, mas ao meu ver também para melhor, foi que o professor de antigamente era policialesco, no sentido disciplinar, o que lhe dava enorme autoridade, mas advinda do poder, não do conhecimento, da sapiência, da eficiência. Ele conseguia mais com os alunos, do que os atuais professores conseguem, mas às custas de uma certa violência, de uma certa repressão.
O que mudou muito foi que a estrutura profissional de nível superior das décadas de 60 e 70 era basicamente de médicos, engenheiros e professores, enquanto que hoje há centenas de outras atividades de nível superior, relegando o professor a ser apenas uma delas, enquanto que antes ele era uma de três. Nisso houve uma certa desvalorização do professor, mas sem vínculo com a educação, em si.
Mesmo os salários não foram aviltados, como se diz, embora também não tenham evoluído, na época os professores não ganhavam mais do que ganham atualmente, embora fossem uma das três classes principais de nível superior. Não havia professor bem de vida, apenas com o trabalho de professor, as classes sociais eram bem mais comprimidas e o professor, após vários anos de trabalho, não passava de classe média-média.
Por fim, antigamente praticamente somente a elite estudava, eram raros os pobres que estudavam. Com o tempo isso evoluiu muito, aumentando bastante o contingente de estudantes, que por sua vez aumentou bastante a demanda por professores, o que acaba resultando em alguma diminuição no valor médio total, além disso, houve uma transformação do universo escolar, ao inserir nele uma gama bem mais ampla de formações familiares diferentes.
Essa minha visão não significa que entendo que tudo esteja bom, ao contrário, penso que há muito a melhorar, mas não vejo a situação atual pior do que a anterior, vendo a educação nacional como um todo, mas excluindo a educação privada de alto custo.
O que me preocupa é que se o diagnóstico não for correto, será mais difícil tratar o problema e noto que predomina a posição que condena amplamente toda a estrutura educacional, supondo que ela piorou no tempo, quando penso que ela melhorou, embora bem menos que o desejável e necessário.
Boa estada para você em Pitangueiras, cidade vizinha aqui da minha Ribeirão, mas que não conheço ao vivo, só conheço por informações.
Beijos …
OLÁ MÁRCIA, HOJE TIVE O PRAZER DE ESTAR PRESENTE NA SUA PALESTRA AQUI EM PITANGUEIRAS NO III FÓRUM DE EDUCAÇÃO. VOCÊ FOI PERFEITA, ADOREI SUAS PALAVRAS E SUAS COLOCAÇÕES. PARABÉNS, BJSS GISLENE
Olá, Márcia!
Estive presente em sua palestra na cidade de Pitangueiras-SP. e gostaria de parabenizá-la pela brilhante apresentação. Acredito que, não só para mim, como também para as demais pessoas presentes, suas palavras vieram carregadas de significado e, por ser assim, tendem a, no mínimo, nos encaminhar a um processo de (re)significação das nossas atitudes, do nosso fazer pedagógico, do nosso olhar para os nossos “estudantes” (e não “alunos” (conhecer essa diferença, eu também devo a você)). Penso que a vida nos oferece grandes oportunidades de aprendizagem e jamais devemos desperdiçá-las: a sua palestra é a prova cabal disso. Para finalizar, reitero meus agradecimentos. Que Deus a abençoe sempre!
Um grande abraço! Silvana Moreli
Hoje tenho uma paixão que jamais poderia imaginar ter: ela, a educação. Pois é, exercício nada fácil, mas que traz a esperança de um futuro melhor. As colocações são bastantes verdadeiras o exercício da reflexão, da união entre a teoria e a prática pra somar a educação, mas não cabe somente a nós professores dar sentido a educação, e esta nos dias de hoje passa por uma crise, pois esta abandonada pelo governo, pela sociedade e muitas vezes também por professores, ora ninguém disse que seria exercício fácil e não é mesmo, longe disso, e aí em meio à todos os poréns e dificuldades sinto-me motivada quando vejo que ainda existem pessoas que querem fazer a diferença e ainda existem pensamentos que se encontram.
Márcia,
seu texto é ótimo!
Gostei dos comentários – sempre os leio, pois aprendemos a enxergar a visão do outro sobre tudo e considero isso importantíssimo! – especialmente do do José Eduardo. Concordo com ele que o diagnóstico de nossa Educação deve ser cuidadoso. Acrescento ao que ele disse o fato de hoje termos uma cobrança, nacional e internacional, de órgãos de economia e política muito mais acirrada do que no passado. O que quero dizer é que a “preocupação” com a Educação perpassa, inclusive, o âmbito da economia dos países.
Em um sistema que funciona com base no apelo ao consumo e ao individualismo, nossas identidades estão totalmente submersas em confusos discursos de necessidades que, muitas vezes, nem são reais. São apenas cumprimento de protocolos.
Em sua maioria, professores e estudantes de escolas públicas vivem, sim, em condições aviltantes no cotidiano das escolas. Mas, partindo de uma realidade bem diferente, a de Brasília, em que quase 100% do corpo docente tem o ensino superior e o salário é o melhor do magistério de todo o país (é preciso considerar que o custo de vida aqui é altíssimo também, ok?!) e há um número considerável de mestres e doutores entre os professores da rede pública do DF, ainda assim observamos os mesmos problemas que há em outras regiões.
Diante disso, lanço sempre meu olhar para esta realidade – a que vivo – e a outra realidade – com a qual já convivi em cursos de formação (MA, PI e BA só para citar três exemplos) – e me pergunto: “O que está faltando, então?!” O seu texto deixa pistas e a melhor delas é o binômio Ética + Educação, não necessariamente nessa ordem. A ética no exercício da profissão de educador, por exemplo, impede que um professor pense apenas em manter aquele emprego ou enxergue a sala de aula apenas como mais um bico. E a ética na vida do estudante o impede de desrespeitar a si, o professor, o colega e o conhecimento. Mas, acima dessa ética, está a ética do ser humano, que o impede de burlar toda e qualquer lei que venha de sua própria consciência – a noção de certo e errado é sociocultural e ninguém precisa ir pra escola pra saber isso. Basta conviver.
O fato é que, em momentos de crise de valores – crise no sentido não só de inversão de valores, mas também de questionamento deles – todas as instituições transparecem essa crise e a sensação geral é a de quem está no olho do furacão.
Eu tenho muita esperança de que o ser humano mude para melhor e que, com ele, suas instituições. Espero que nossos debates e nossas discussões, face a face ou virtuais, sirvam para nos melhorar com o outro e com nós mesmos. Que não fiquemos apenas no discurso e que, estando em sala de aula ou não, façamos o melhor que pudermos hoje. Que não deixemos pra depois. Que não nos preocupemos apenas com os índices do ENEM, do PISA ou do SAEB, mas com os seres humanos que estamos formando – como pais e como educadores, como comunicadores e como artistas, enfim.
Um abraço.
Li os oito ou dez textos desta página. Todos são humanos. Só tem um que é divino: o da manicure.
Flores e estrelas…
Que lindo o que vc disse. Obrigada.
Não, modéstia sua, dois são divinos, o da manicure e o de quem julga o que é humano e o que é divino, este sim, supra-divino e Marcia gostou, ela que sempre combateu prepotência e arrogância, novos tempos, tudo pode ter novos tempos.
Julgadores, nunca julgam a si próprios, aliás, julgam, mas são modestos, preferem não comentar a conclusão.
Ainda prefiro o mundo dos que fazem, ao mundo dos que falam, mesmo os que falam se achando tão superiores.
Dizem que “*” quanto mais se mexe, mais fede, mesmo assim volto ao mesmo tema, porque me senti mal batendo, já que não gosto de bater, independente da pessoa merecer, ou não, então vim substituir o que eu disse acima pelo seguinte:
“não cabia desmerecer os outros para tomar impulso e elogiar algum, também não cabia à Márcia dar força para isto”
Aproveito e me despeço dos colegas de comentários e da Márcia.
“A maior vaidade é pretender não tê-la.” Tenha um maravilhoso e produtivo ócio neste feriado, renasça no domingo!
Há tempos não tinha lido algo tão coeso e estimulante sobre a educação.
Qual é esse texto da manicure, que não encontrei?
obrigado.
Olha aqui http://filosofiacinza.wordpress.com/2012/03/08/a-manicure-da-vez-era-outra/
Olá, Márcia! Muito bom o seu texto.
Meu nome é Camila, sou de BH e tenho pesquisado muito sobre Educação pois minha filha de 6 anos entrará na escola formal no próximo ano. Estou avaliando algumas possibilidades de escola e, dentre elas, uma cuja pedagogia é Waldorf. Você tem alguma impressão sobre essa linha?
Abraço,
Camila
Apesar de termos alguns educadores envolvidos plenamente com o processo educacional, ainda não é o suficiente. Falei a um educador amigo meu , que é professor na Faculdade no Rio de Janeiro, que é preciso educar nossos professores ainda dentro da faculdade, aproveitando que ainda não estão cheios de vícios…
As palestras deveriam ser matéria obrigatórias, sim…desde o primeiro semestre…
Bastante atual e objetivo.
Parabéns pela iniciativa de enviar aos pais!
Obrigada