Ecos do vazio

Ecos do vazio

Em O Inominável, Beckett radicaliza a impossibilidade de expressão da realidade

Wilker Sousa

O nascimento da obra de Samuel Beckett (1906-1989) é concomitante ao período-conturbado do entre-guerras. A racionalidade que havia propiciado o desenvolvimento tecnológico fora utilizado a serviço da barbárie. Terminada a Segunda Guerra, como fazer arte? A realidade mostrava-se inominável, não mais passível de ser diagnosticada pela soberania da linguagem. Essa impossibilidade é um dos eixos centrais da obra beckettiana. Escrito em 1949, O Inominável é o último dos romances pertencentes à chamada trilogia do pós-guerra, composta ainda por Molloy (1947) e Malone morre (1948). A obra chega este mês ao mercado brasileiro, com nova tradução realizada por Ana Helena Souza e prefácio assinado por João Adolfo Hansen.

Molloy e Malone Morre, as duas primeiras obras da trilogia, dão conta de personagens que têm nome, que podem ensaiar com suas narrativas alguma biografia e que atuam em um cenário possível. O Inominável recusa ao leitor os esteios literários mínimos encontrados precariamente nas outras duas obras. Protonarrativas brotam de um centro ‘inominável’”, explica Claudia Vasconcellos, doutora em Teoria Literária pela USP. O livro traz uma voz anônima proveniente de algum lugar na linguagem. Voz esta fatigada da condição humana, marcada essencialmente por aporias, como aponta no prefácio, Adolfo Hansen: “A voz não quer falar sobre coisas. Não quer significar conceitos, não quer se expressar.(…) Comprime, reduz e dissolve significações do espaço, tempo, do eu, do corpo, de personagens, de objetos, de fatos, de eventos e de ações para eliminar a linguagem”.

No que se refere à importância deste livro na obra de Beckett, Claudia Vasconcellos aponta O Inominável como prenúncio da terceira fase da obra do autor. “O Inominável, ao mesmo tempo em que leva o romance e Beckett a um impasse: ‘o que escrever depois desta experiência radical’, é anúncio e pré-requisito da chamada terceira fase da obra do autor, na qual se nota uma suspensão autorreflexiva do sentido, um discurso movediço que enfrenta o seguinte dilema – o papel da linguagem não pode ser tematizado se se esquecer que é a linguagem que permite esta tematização”.

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