Dossiê – Samuel Beckett
Artista que implodiu as fronteiras artísticas, o irlandês Samuel Beckett (1906-1989) ocupa lugar central na arte do século 20. Prolífico, escreveu peças para teatro, rádio e televisão, romances, poemas, além de textos que escapam da moldura canônica dos gêneros literários. Beckett trouxe para o centro de sua obra “a expressão de que não há nada a expressar, nada com que se expressar, nada a partir do que expressar, nenhuma possibilidade de expressar, nenhum desejo de expressar, aliado à obrigação de expressar”, como escreveu nos Três Diálogos com Duthuit, em 1949. O impasse, portanto, antes de ser assunto, é tratado sob o viés da linguagem, como forma.
Passados 20 anos de sua morte, CULT convidou renomados estudiosos para participar deste Dossiê, dedicado àquele que, obcecado pelo essencial, conduziu sua arte a caminho do silêncio.
No texto inicial, Fábio de Souza Andrade – uma das mais reconhecidas autoridades na obra beckettiana – faz um balanço da importância de Beckett para a modernidade, autor cuja obra configurou um percurso de continuidade e adensamento exemplares. Cláudia Vasconcellos analisa como as primeiras peças focam a teatralidade, a despeito da fábula – fenômeno que criou uma nova categoria de estranhamento. Ao longo do texto, o leitor pode ainda conferir os depoimentos dos diretores Gerald Thomas e Rubens Rusche, cujas carreiras estão intimamente ligadas ao universo beckettiano. A segunda fase da dramaturgia está contemplada no texto de Welington Andrade. Após a tríade de obras-primas, composta de Esperando Godot, Fim de Partida e Dias Felizes, Beckett compôs as chamadas shorter plays – peças curtas tão importantes para o teatro do século 20 quanto as três já citadas. Concisas ao extremo, as shorter plays cotejam o silêncio e impõem desafios ao espectador. Junto ao texto, está a entrevista com Sérgio Brito, consagrado ator do teatro brasileiro que interpreta Beckett desde os anos 1970.
Tão implosiva quanto seu teatro, a prosa de Beckett desempenha papel importante na literatura do século 20. Tal vertente de sua obra é analisada no artigo de Ana Helena Souza. A adoção do francês como língua literária, segundo Ana, permitiu ao autor “encontrar uma voz inconfundivelmente sua”, o que propiciou a ele escrever as obras-primas Molloy, Malone Morre e O Inominável. Por fim, Plínio Prado Jr. discorre sobre o conflito vivido por Beckett entre a insípida glória literária institucional e o real papel da escrita em sua obra. Para tal, Plínio traça paralelos e contrastes com autores como Jean-Paul Sartre e Clarice Lispector.
Esperamos oferecer ao leitor um panorama do universo plural de Samuel Beckett, universo este habitado por vagabundos, seres dilacerados, vozes silentes e inomináveis a mimetizar limitações e impasses da alma do homem moderno.