A desimportância do futebol e o valor do líder

A desimportância do futebol e o valor do líder
Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de 2018 (Divulgação)

 

Agora que a bola já foi apresentada a quem, segundo Nelson Rodrigues, chegava ao Maracanã e perguntava “quem é a bola?”, o futebol pode voltar à sua insignificância. Embora fenômeno sociocultural, ele só ganha audiência global de quatro em quatro anos, com a Copa. Então, pronto! Chega! Mas ainda cabe um balanço da Rússia 2018. No campo, a França ganhou e 31 seleções saíram derrotadas. Na verdade, alguns mais, além dos laureados franceses, não têm do que se queixar, como a vice Croácia, que chegou mais longe do que esperava. Putin também gostou, porque o evento foi um sucesso. Mostrou ao mundo, à exaustão, as belezas da Moscou da Praça Vermelha e da São Petersburgo do Hermitage, além da diversidade das paisagens de um país continental. Traçou, ainda, uma bela imagem do povo russo, genuína ou maquiada.

Na bola, também, houve vitoriosos inesperados. O lanterninha Panamá comemorou para valer o solitário gol marcado contra a Inglaterra, sua primeira menção na história das Copas. O adversário assinalou em troca impiedosos seis, mas a torcida panamenha voltou para casa sorrindo de alma lavada. Além do que, um azarão chegou perto de causar forte surpresa: o Japão por pouco não eliminou a afinal terceira colocada Bélgica, algoz do Brasil. Os japoneses tiveram a vitória nas mãos, ou melhor nos pés, mas sucumbiram à própria inexperiência. Ficou um travo amargo!

As poderosas Alemanha e Espanha tombaram precocemente, é verdade, assim como Argentina (16º) e Brasil (6º) saíram decepcionados com a classificação de seus times. Não se pode dizer, entretanto, que os resultados do Mundial indiquem grande transformação no planeta bola. Além da campeã França, os outros três semifinalistas e todos os top 10 são participantes frequentes das posições mais altas dos rankings da Fifa. De modo que, elas por elas, ficou tudo mais ou menos na mesma.

Até o quadro dos destaques individuais não deverá se alterar, apesar de Messi ter jogado outra Copa absolutamente insossa com a Argentina e de o facho de Cristiano Ronaldo ter se apagado antes do segundo jogo de Portugal. Neymar atuou muito abaixo de seu potencial, por conta das precárias condições físicas decorrentes dos três meses de recuperação da cirurgia no pé direito. Ainda assim, dos três o brasileiro foi o que mais brilhou, tendo liderado a maioria dos indicadores de desempenho dos atacantes da Copa. Isso além de fazer dois gols, dar o passe para outros dois e ser a maior vítima das agressões dos defensores adversários, o que explica o alto número de quedas, mas não justifica a teatralidade delas.

Note-se que a maioria das agressões ocorreu já no primeiro jogo, o que demonstra existir uma intenção deliberada de provocar o craque. A Suíça usou o manjado rodízio de marcadores, e conseguiu levar o juiz no bico. Embora as dezenas de infrações tenham sido muito claras, indiscutíveis, já na estreia começaram as críticas às “simulações” de Neymar. Um caso realmente curioso: as faltas aconteceram, mas o agredido encenou. Cara, ou uma coisa ou outra!

Entendo que, para a seleção brasileira, olhado corretamente o desempenho que vem, não da Rússia, mas desde a Copa de 2010, na África do Sul, lições importantes podem determinar alguma correção de rumo. A mais importante, para mim, é a derrubada do mito de que jogador deve ser convocado pelo simples fato de atuar no exterior, de preferência nas principais ligas europeias, melhor ainda se em clube de ponta. Pois esse é o exato perfil do volante Fernandinho, campeão inglês pelo Manchester City do festejado técnico Pep Guardiola. Fernandinho teve participação decisiva, e negativa, no lendário 7 a 1 que o Brasil tomou da Alemanha, no Mineirão, e agora falhou novamente, no único jogo em que atuou como titular. O jogo que despachou o time brasileiro da Rússia. Um “craque” desses desmonta qualquer tese.

Outra lição que fica é que dificilmente o Brasil ganhará outra Copa, o tão sonhado “équiça”, enquanto o time não contar com um líder dentro de campo. Não necessariamente o capitão, mas o comandante que faça o time jogar o que sabe e pode, como o Zito de 1958 e 1962, o Pelé de 1970, o Dunga de 1984. Dunga, o péssimo treinador, foi um bom jogador e um grande capitão. E Zito (não confundir com Zico, perdedor nas Copas de 1978, 1982 e 1986) foi o fator que permitiu a explosão dos talentos de Garrincha e Pelé na Suécia. Embora a mídia carioca tenha consolidado outra ideia, Nílton Santos e Didi eram remanescentes das gerações derrotadas de 1950 e 1954 e coube a Zito afastar com autoridade o “complexo de vira-latas”. Até o Mundial da Suíça, o Brasil jogava bonito, e perdia sempre. Com Zito, quatro anos depois, as coisas mudaram. O problema para a nossa seleção atual é que uma liderança como essa não se cria do nada. Ela vem pronta, junto com a personalidade de certos grandes jogadores.


Marcos Fonseca é jornalista.

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