De onde vem o ódio a Neymar

De onde vem o ódio a Neymar
O jogador de futebol Neymar Jr (Divulgação)

 

Neymar é um dos poucos jogadores a entender que o futebol, além de competição, é também espetáculo. Isso ele aprendeu cedo, antes mesmo de virar profissional da bola, vendo na TV os jogadores que admirava, entre outros Ronaldinho Gaúcho e Messi. Foi assim que, ao entrar em campo como profissional, tratou de fazer tudo aquilo que seu talento permitia e sua visão do jogo impunha: dar espetáculo, apresentando todo um repertório de lances maravilhosos, uma inventividade irrefreável e uma arte que, no esporte, só encontra termo de comparação quando o paralelo é traçado entre os grandes do esporte. Esporte, mesmo, e não apenas futebol.

Pois é assim, como parte de um pacote que o frequentador do estádio compra, que se deve entender a carretilha que aplicou no zagueiro Chicão, no fim de uma vitória do Santos contra o Corinthians, e outros dribles desmoralizantes que o acusam de dar. O jogador corintiano, nervoso com a derrota do seu time, não recebeu bem a brincadeira, e ameaçou quebrar as pernas do moleque (então com 17 anos). Alegou deboche e falta de respeito e recebeu total apoio do técnico Mano Menezes. No entanto, Neymar tinha agido com naturalidade, repetindo, diante de um público pagante, a mesma jogada que repetia com frequência nos treinos do Santos, tendo como vítimas seus companheiros de time.

Era o início de um período, que se estenderia de 2009 a 2013, em que as arrecadações dos jogos do Santos cresceram exponencialmente, principalmente fora da Vila. A TV Globo, detentora dos direitos das principais competições, passou a transmitir os jogos do jovem time santista como nunca antes ou depois, e o clube começou a receber convites para se apresentar no Brasil e no exterior. Tudo por causa de Neymar, tudo por causa do prazer que o moleque proporcionava às plateias, inclusive as adversárias, com seu jeito único de tratar a bola. Também por conta de Neymar, ainda sem ter conquistado um único título, no primeiro trimestre de 2010 o Santos transformou-se em atração internacional, pelo futebol que jogava e pelas goleadas que aplicava nos adversários. Em resumo, por causa da arte de Neymar.

Antes ainda de perceber o lado espetáculo do esporte, o garoto teve de aprender outra lição importante. Lançado precocemente no time profissional do Santos em 2009, com o físico magrinho em formação, a ponto de ser apelidado de “Filé de Borboleta” por um treinador, Neymar precisou desenvolver artifícios de defesa para se proteger das agressões que seus dribles atraíam. Colocado diante do dilema de levar a sarrafada pressentida, que claramente colocaria em risco sua integridade física, ou safar-se com a agilidade do salto ou da queda defensiva, optou pela segunda saída. Preferiu salvar as pernas.

Os comentaristas ainda não tinham criado a expressão “uso de força desproporcional”, pedindo a aplicação de penalidade contra as entradas violentas que os chamados beques brucutus utilizavam para intimidar jogadores talentosos. Porque, mesmo quando o choque não acontece e a agressão não se consuma, a interrupção do drible beneficia o agressor, impedindo a continuidade da jogada. Mas essa lógica não prevaleceria por muito tempo. Logo, com a mesma desfaçatez com que defendem o uso da violência contra quem se vale da arte no gramado, treinadores e jogadores adversários passaram a argumentar que a infração só se concretiza com a materialização da agressão. “Atingi a bola primeiro”, argumentam os adeptos do futebol-força, olhando para o lado oposto ao daquele onde jaz a vítima do atropelamento.

Já seria bem ruim a absolvição liminar do criminoso. Mas o ódio adquirido pelos que não gostam do futebol bem jogado queria mais. Exigia a condenação da vítima, e foi exatamente isso que passou a acontecer com Neymar. Os árbitros não só deixaram de coibir a violência, como começaram a puni-lo por suposta simulação. Alegação que virou moda no Brasil e chegou ao exterior. Porque não só os adversários domésticos, mas também os que teriam de enfrentar o craque em qualquer lugar do mundo precisavam encontrar armas, legítimas ou não, para anular o talento. E, tão rápido como se tornou sonho de consumo dos mais ricos clubes do planeta, Neymar virou “cai-cai”, “simulador”, “enganador de juízes”.

Tornou-se um “monstro”, como profetizou outro obscuro treinador brasileiro, após perder um jogo para o Santos e intrometer-se em assunto interno do adversário. Naquela noite, Neymar confrontou o treinador do seu próprio time, por causa da cobrança de uma penalidade máxima. A atitude contrariou a hierarquia e foi até deselegante, mas o jogador tinha motivos para desconfiar do comandante. Meses antes, o treinador por pouco não fez o jogador perder o primeiro título da carreira, o campeonato paulista de 2010, ao fazer mudanças erradas no time, na partida decisiva. Mais tarde, também por conta de uma lambança do técnico, o Santos quase foi derrotado por placar irrecuperável, o que colocaria em risco a segunda conquista de Neymar: a Copa do Brasil daquele mesmo ano. A partir dali, o jogador ganhou também a fama de mimado.

É bem conhecida a opinião de Tom Jobim sobre o tratamento que os brasileiros dão aos patrícios que fazem sucesso. Também é citado ao desgaste o “complexo de vira-latas” criado por Nelson Rodrigues para falar da reverência que se presta aos ídolos estrangeiros e o pouco caso dedicado aos talentos nacionais do futebol. Pois Neymar é vítima das duas síndromes, por ser insuportavelmente talentoso e por ser invejavelmente bem-sucedido. Outros grandes do esporte brasileiro também passaram por isso.

Maria Esther Bueno, morta recentemente, era muito mais reverenciada no estrangeiro como grande tenista. Aqui, foi praticamente ignorada em toda a vida, não só por praticar uma modalidade tida como de elite, mas também porque naquele tempo, mais do que hoje em dia, torcia-se o nariz para opções sexuais diversas. Pelé também sofreu restrições, muito antes de não reconhecer a filha que lhe apareceu tardiamente. Embora nunca tenha se queixado, o Rei era vítima de piadas que remetiam à cor de sua pele. Sua vantagem é que sempre foi grande demais, e os preconceituosos muito pequenos, como sempre.

Os problemas de Neymar não se comparam a esses. Mas ele, mesmo com as assessorias caríssimas que paga, não tem sabido lidar com as pequenezas de seus detratores. Por exemplo, é comum vermos na mídia brasileira cenas enternecedoras de ídolos do futebol mundial. É Cristiano Ronaldo descendo de um ônibus prestes a partir com a seleção portuguesa, só para beijar e dar autógrafo a uma pequena fã. É Salah bancando ações sociais no seu Egito. É Messi enviando o uniforme completo do Barcelona ou da seleção argentina para um pobre e remoto admirador. São atos meritórios, mas que recebem mais divulgação, no Brasil, do que ações semelhantes, e até maiores, praticadas por Neymar.

De novo, grande parte da culpa cabe ao próprio Neymar. Em primeiro lugar, porque gosta de ostentar sem qualquer pudor. Mostra-se nas festas, exibe os bens materiais, propaga os programas com a namorada, e ainda por cima usa as mídias sociais. Por isso, arruma mais inimigos entre jornalistas, profissionais de mídia e formadores de opinião em geral, os quais gostariam de receber maior atenção do craque. E faz com que essas coisas, além de seu novo penteado, sejam mais divulgadas do que o trabalho em campo. Suas belas atuações, seu desempenho, os gols que marca, os títulos que conquista.

Por algum outro motivo, Neymar também esconde algumas informações. Assim, como não se soube direito em que condições físicas disputou a Copa da Rússia, submetendo-se a todas as críticas técnicas, também pouco se sabe sobre a atuação do Instituto Neymar Jr, que mantém na Praia Grande, no Jardim Glória, mesmo lugar em que passou a infância com os pais. O Instituto tem 8.400 metros quadrados de área (terreno cedido pela prefeitura local) e atende crianças e famílias em situação de vulnerabilidade, em áreas como educação, saúde, cultura e esportes.

As crianças têm de estar matriculadas na rede municipal de ensino e suas famílias devem possuir renda per capita inferior a um salário mínimo. As atividades incluem atendimento médico (com odontologia e psicologia), reavaliação escolar, ensino de idiomas (inglês e espanhol), informática e robótica, leitura e escrita, artes plásticas e dança, além de práticas esportivas (futebol, futsal, vôlei, basquete, e judô) para crianças de 7 a 17 anos, das 7 às 23 horas. O investimento é de R$ 6 milhões por ano, com a ajuda de parceiros da iniciativa privada.

Mesmo que divulgasse a existência do Instituto, ainda assim não escaparia ileso. Afinal, como escreveu o colunista André Rocha, do UOL, “todos que não aceitam sua [do jogador] personalidade contraditória aproveitam o momento de baixa para a vingança. Ou apenas aproveitam para colocar em prática a crueldade de afirmar teses em cima da imagem dos outros”. Se tivesse conduzido a seleção à vitória na Rússia, Neymar seria hoje tão ídolo quanto Ronaldo e Romário, a quem superou como goleador da seleção. Mas não aconteceu, e as piadas vieram de todo o lado, reduzindo-o a um falso craque. “Marrento e antipático. Como se outros talentos não fossem”, decreta André.


MARCOS FONSECA é jornalista. Profissionalmente, cobriu por dois anos o Santos de Pelé. Como torcedor e apreciador do futebol, acompanha Neymar desde 2009.

(9) Comentários

  1. Belo texto Marcão.Acho Neymar um fora de série, mas ele poderia ser ainda melhor se abandonasse a simulação de faltas.

    Parabéns pelo texto

  2. Parei de ler na metade quando vi o teor do texto. É só mais um neymarzete travestido de jornalista defendendo o indefensável. Neymarketing hoje é defendido por uma minoria Sr. Marcos Fonseca. Você faz parte da minoria. Não há defesa pra Neymarketing. Aprecie o fim desse nojento.

  3. Faço minhas as suas palavras. Com Neymar a mídia faz crer que seus agressores são as vítimas não os algozes, total inversão de valores. O que fazem com ele pra mim é incompreensível.

  4. Belíssimo comentário. Isso mesmo, nós brasileiros somos ingratos, mesquinhos e invejosos. Medíocres e hipócritas por natureza. Só nos resta suplicar a Deus: Salve, Jorge!

  5. Ao lado do texto que colocava Anita como feminista, esse é o pior texto que li na Cult. Mas talvez eu sou elitista como o Safatle comentando o funk… Sabemos que Neymar divulga sua instituição, ou não foi divulgação sua irmã dando entrevista pra Globo, como é o nome da instituição? Como o brasileiro que sofre em busa lotado não vai ficar bravo com o brasileiro que ostenta carrão. Como o fan de futebol pode ver que o grande astro mostra tanto o namora com a atriz global de talento duvidoso quanto o seu futebol. Não apenas os brasileiros que não gostam dele, por ele passou criou situações lamentáveis: jogou pelo Santos com contrato com o Barcelona, o Barça deixou de vender suas camisas, criou conflito com o batedor de faltas do Paris…
    Por favor, Como quem um texto do Juca Kfouri propósito do Neymar…
    Gosto muita da revista, certamente a melhor publicação mensal que contamos no Brasil. Abç a todos.

  6. Decepcionada com o conteúdo simplista desse texto, que defende o jogador sem levar em consideração todo o histórico negativo que vai desde várias simulações a problemas com a receita federal. Esse tipo de texto fica para aquela seção de esportes dos jornaizinhos.

  7. Trata-se de um bom texto. Quem só crítica o Neymar é porquê tem problema consigo mesmo. Não dá valor aos poucos talentos no esporte, mormente no futebol, que o Brasil originou nos últimos 10 anos.

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