Debates políticos, para quê?
O primeiro debate de candidatos a Prefeitura de São Paulo foi transmitido nesta quinta (1º) pela Band (Foto: Filipe Araujo)
Começou a temporada de debates entre candidatos a mandatos executivos. Os americanos deram a largada para os seus debates presidenciais, e os brasileiros começaram a ver os primeiros debates entre candidatos à prefeitura das grandes cidades.
Na política americana, os debates presidenciais são uma tradição importante. Depois do longo ciclo das primárias, as convenções partidárias definem os seus indicados à corrida eleitoral, e, enfim, a poucos meses das eleições, os debates presidenciais marcam, para o americano médio, o início formal das competições. É um pouco como o início da propaganda eleitoral gratuita, que significa para nós que enfim começou o campeonato eleitoral para valer.
Não importa, contudo, quão sagrada seja a tradição nem as razões pelas quais teria sido criada: se tem Donald Trump envolvido, não há decoro, dignidade e rito que resistam. No debate americano, alcançou-se esta semana o que se pode chamar de “ponto mais baixo” na história dos debates presidenciais. Foi um horror, principalmente para o cidadão que ainda considera a política uma atividade digna. Não teve regra de polidez, compostura, respeito ao adversário, ao moderador e ao público que Trump não desrespeitasse.
Trump parecia um rufião bêbado e sem um pingo de caráter, desses que puxam briga com quem passa na rua, fazem sinais obscenos, urinam nos passantes, jogam pedra nos carros e, depois de conseguir alguém que os enfrente, deles se pode esperar que digam e façam qualquer coisa para, do seu ponto de vista, ganhar a contenda. Não me parece possível que neste debate ele pretendesse conquistar eleitores por convicção, argumentos, razões. Aparentemente, Trump não quer persuadir, convencer, ele quer ser eleito por quem se identifica com ele, sua personalidade, seu comportamento, seu modo de ver e representar o mundo.
Lembrei-me de Trump porque desde 2016 ele é quem estabelece o padrão, o standard, sobre o que dizer, como dizer, o que fazer e de que modo fazer do presidente desta República e dos seus chegados. Deste ponto de vista, Bolsonaro é basicamente o Trump do dia seguinte. De forma que, se um dia Bolsonaro aparecer em um debate eleitoral, coisa incerta, não espere que assuma outro padrão de comportamento. Independentemente disso, este já é o standard adotado nas lives e na improvisação das coletivas de imprensa no cercadinho do Alvorada.
A questão, porém, é, afinal, para que serve um debate e por que esse tipo de debate não serve ao seu propósito. Para mim, debates públicos servem basicamente para três coisas.
Primeiro, para que se observe o comportamento dos candidatos quando postos numa mesma arena. Como é essa candidata ou esse candidato? É uma pessoa educada ou um grosseirão? Um maluco vendendo terreno na lua ou uma pessoa ponderada e inteligente que defende uma ideia plausível? Um titubeante, hesitante, inseguro, que não articula duas ideias, ou uma pessoa firme, com propostas claras e capaz de defendê-las? Um ignorante ou um sujeito bem informado?
Segundo, para que se saiba quais são as ideias sustentadas pelas candidaturas, os princípios que a pessoa defende, os seus compromissos e com quem ela se comprometeu. Tem a ver com o modo como o candidato vende ao público a sua diferença específica no mercado de ideologia, valores e ideias. Em que tipo de sociedade ela ou ele crê? Que tipo de cidade essa pessoa tem em mente? A cidade ou país que ela propõe ou imagina, não apenas em termos de obras e equipamentos, mas no que se refere a valores, à urbanidade, à convivência humana, é a mesma que eu gostaria de comprar na próxima eleição? Isso tem a ver com compartilhar uma visão – do mundo, do país, da cidade, da vida. A ideia por trás disso é que o eleitor não compra um candidato, compra uma visão.
Claro que há também quem assista a um debate político para saber “quem ganhou”. O próprio jornalismo, talvez por necessidade de ter audiência para esses eventos, enfatiza demais o debate como um duelo, um combate. E obsessivamente pergunta “quem, afinal, venceu?”. E é aqui que introduzo a terceira razão para se assistir a um debate, que, dito pelo negativo, não é para que candidatos briguem e um deles ganhe, mas para que o cidadão, este sim, ganhe alguma coisa.
Competição é a eleição, não o debate, e é no dia da eleição que alguém necessariamente vence todos os outros. Debate não é um jogo de soma zero, pois, em princípio, todos os candidatos podem ganhar: ganhar mais atenção dos cidadãos que não o conheciam, mais eleitores, mais reconhecimento público, mais oportunidades de amadurecer ideias e argumentos no atrito com os competidores, com o jornalismo e com o público. O debate não é para um ganhar do outro, é para que ideias sejam apresentadas e examinadas ali, no contraste com pontos de vistas divergentes. É para que visões de mundo, de vida, de país e de cidade sejam apresentadas nas suas diferenças e na sua consistência intrínseca, a fim de que os eleitores tomem decisões bem-informadas, e a fim de que os valores e compromissos das candidatas ou candidatos sejam explicitados.
Um debate, em suma, é para apresentar diferenças e divergências; para que estas sejam examinadas em um atrito democrático, mas consistente e honesto, de ideias. Tudo isso para que o cidadão – para quem o debate, afinal, é feito – conheça as candidaturas, os candidatos, suas ideias e compromissos, e tome a decisão eleitoral que lhe cabe (se é que não já a tomou) com toda a informação necessária disponível.
Numa democracia, debates não são para jornalistas nem para políticos, mas para o cidadão, justamente o único a quem a democracia reserva o poder de dar ou negar mandatos nas eleições próximas e vindouras. O jornalismo e os políticos, portanto, deveriam parar de perguntar quem ganhou o debate e começar a perguntar se os cidadãos ganharam com a sua realização.
No caso do debate presidencial americano, duvido. Boa sorte no debate aí da sua cidade.
Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)