Da necropolítica à ikupolítica
Oferenda, Nossa Senhora de Monte Serrat, Salvador (Foto: Christian Cravo)
Podemos dizer que os tempos presentes são gravemente mortais. Guerras, acidentes com refugiados, confrontos com milícias e as forças do Estado, violências de todas as ordens. O pensador camaronês Achille Mbembe tem nomeado de necropolítica esse modo de gestão das populações que se instaura em nossos tempos, marcado por um persistente encontro entre as relações políticas, culturais e econômicas sob uma sombra racial, subjugando a vida aos poderes da “morte”.
Para Mbembe, as relações entre o capitalismo, o racismo, a xenofobia – e eu acrescentaria o patriarcado –, instauram-se em torno da figura do inimigo, esse símbolo privilegiado nas relações sociais em tempos nos quais a sociabilidade é hegemonicamente beligerante e o ódio é o afeto que marca parte importante de nossos contatos com o mundo público.
Tal ódio por vezes se esvazia de intensidade, seja por uma rápida euforia, seja por uma potente falta de empatia ante o sofrimento das pessoas que nos cercam. Já não lamentamos de maneira não fugidia as mortes violentas ao nosso redor. Assistimos aos espetáculos da guerra e às tragédias ocorridas com imigrantes como intervalos dos nossos reality shows prediletos, nos quais a diversão gira em torno das violências simbólicas e do inimigo que elegemos durante a “temporada”.
Ronda nossos tempos uma impressão de sufocamento ou, ainda, uma sensação de que estamos em um mundo sem saída – talvez, até pior, de que a única saída seja o extermínio do inimigo.
Essa impressão foi-nos ensinada ao longo da Modernida
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