Corpo-herança, corpo bio-gráfico

Corpo-herança, corpo bio-gráfico
Jean-Baptiste Debret, Aldeia de caboclos em Canta-Gallo, 1834-39 (Foto: Reprodução)
  Friedrich Nietzsche escreveu que a aprendizagem, como a alimentação, nos transforma, não apenas nos sustenta, porém que “no fundo de todos nós, ‘lá embaixo’, existe algo que não aprende, um granito de fatum espiritual ” (§ 231). Ultimamente, tenho lido esse aforismo para pensar o corpo: primeiramente meu corpo singular, de mulher, negra (de pele clara), gorda, vinda da região Norte, que ocupa, um tanto desconfortavelmente, um espaço acadêmico e desenvolve uma pesquisa em filosofia; mas como toda singularidade deve poder se tornar exemplar. Gosto desse aforismo também para pensar os corpos dos sujeitos em geral, corpos-sujeitos falantes.  Essa é uma questão que se foi impondo conforme eu me dava conta de que a neutralidade e a universalidade da ciência, e da filosofia em particular, não caíam muito bem em corpos como o meu. Por mais que eu me transformasse aprendendo e me alimentando do que havia de mais nutritivo no cardápio filosófico, algo em mim se recusava e parecia obedecer a outros imperativos. Era como se a interioridade da sujeita que eu pretendia ser desenhasse uma paisagem diferente. Por isso, a imagem de um “granito de destino espiritual”, que forma a matéria à medida que doa e recebe marcas, como leu Jacques Derrida no texto nietzschiano, me pareceu tão fecunda para pensar articuladamente o corpo, a singularidade e a herança na escrita da filosofia. Porque o discurso filosófico, ainda que almeje a universalidade, teve de começar na singularidade de um corpo, no espaço delimitado de uma herança.  E, no cas

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