Com uma mão na frente e a outra adiante

Com uma mão na frente e a outra adiante
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Na atual guerra de narrativas, uma coisa tem unido os jovens místicos, os neopentecostais e os conservadores de extrema direita. Os espantalhos da vez são a masturbação e a pornografia. Diversos são os argumentos, pautados antes em convicções que em pesquisas sérias.

Desde sempre, “bater uma” é visto como uma coisa suja, errada ou, até mesmo, prejudicial. Mas agora isso não só é o alvo, como também um belo produto de negócio. Todo dia tem um ser vendendo uma solução para a cura do vício em masturbação e pornografia. Por outro lado, é urgente resistir a essas ideias repressoras e aceitar essas práticas pelo que realmente são: partes naturais, saudáveis, lúdicas e criativas da nossa sexualidade.

Assim como no livro O nome da Rosa, de Umberto Eco, em que o monge Jorge de Burgos escondeu o segundo livro da Poética, de Aristóteles, num lugar secreto da abadia, a que só ele e o assistente tinham acesso, a masturbação também foi relegada a uma esfera mais privada, desencorajada e até proibida de ser discutida abertamente. Mas, assim como aquele livro de Aristóteles, a masturbação guarda uns saberes ocultos sobre nós mesmos, nossa sexualidade e nossos desejos mais íntimos.

No fundo, esse ataque é contra o prazer e a alegria dos corpos para melhor exercer o domínio. Num mundo que está sempre tentando controlar e ditar como devemos lidar com nossa sexualidade, a masturbação, além de ser um jeito de nos conhecermos melhor e sentirmos prazer, é também um protesto, um grito de independência e autenticidade. Afinal, não há nada de errado em buscarmos prazer e explorarmos nossa sexualidade de forma segura e consensual.

Quando saímos do automático e assumimos o controle do nosso próprio prazer, é como se estivéssemos dizendo “não” para as regras impostas, e “sim” para nossa liberdade sexual. Além disso, a masturbação ajuda a fortalecer a musculatura da região íntima, quando exercida a partir de múltiplas técnicas de movimentos (algumas encontradas, por exemplo, na massagem tântrica). Importante lembrar que se masturbar é, antes de tudo, uma prática pessoal, e cada pessoa faz do jeito que se sentir melhor. Não existe certo ou errado, cada pessoa tem o direito de descobrir o que funciona melhor para si.

Assim como a masturbação, o autoerotismo, também tido como um tabu, pode ser uma forma de resistência poderosa contra as normas que tentam nos classificar em caixinhas de gênero e sexualidade. Basicamente, o autoerotismo seria explorar e descobrir todo o corpo – e não apenas o órgão sexual –, suas sensações e desejos, sem a interferência de quem quer que seja. É uma chance de se conectar aos próprios instintos e necessidades. Também pode ser uma forma de se expressar e se conhecer melhor. Experimentar – e até descobrir – fantasias, fetiches e técnicas pode ajudar a entender as preferências sexuais e criar uma intimidade maior consigo mesmo.

No fim das contas, são formas de nos reconectarmos com nosso próprio corpo e nossos desejos de uma forma bem pessoal. Ao abraçarmos esses momentos como algo natural da experiência humana, reafirmamos nossa própria humanidade e individualidade. Quando exploramos nossas fantasias e desejos sem medo ou julgamentos, estamos desafiando as expectativas sociais que querem nos dizer o que é “normal” ou “aceitável”.

Pornografia e trabalho sexual

“Mas e a pornografia”? Essa, geralmente, é vista como vilã (antes de seguir nesse tópico, abro parêntesis aqui para reforçar que todo o contexto de exploração, objetificação e misoginia associadas não está sendo desconsiderado, mas é bom lembrar que a exploração e a objetificação de corpos não surgiram com a pornografia nem são exclusividade dela, atravessam diversas outras profissões – assunto, porém, para outra discussão, já que aqui o foco é observar o lado criativo e libertador da pornografia como uma ferramenta de resistência).

Enquanto a pornografia mais mainstream é sempre criticada por promover estereótipos ruins e mostrar uma visão limitada do sexo, a pornografia criativa está aí para romper essas barreiras e celebrar a diversidade e a autenticidade do prazer humano. De filmes eróticos independentes a plataformas online que abraçam a diversidade sexual, existe uma variedade de conteúdos que revela as várias facetas da nossa sexualidade.

Assim como o riso na obra de Umberto Eco é escondido e temido pelos poderosos da abadia, a pornografia criativa desafia as estruturas de poder e põe o prazer em nossas mãos.

Num mundo em que o corpo humano é sempre censurado, e a sexualidade, tratada com pudor, a pornografia pode ser uma maneira de confrontar essas normas e afirmar nossa sexualidade de um jeito positivo e inclusivo. Ao assistirmos a uma pornografia que celebra a diversidade de corpos, desejos e práticas sexuais, estamos desafiando esses padrões rígidos de beleza e de comportamentos sexuais que a sociedade impõe.

A pornografia também pode ser uma ferramenta para se aprender mais sobre sexo ou só se divertir mesmo. A pornografia que mostra o sexo de variadas formas (realista, consensual, artística, estética e fantasiosa) nos permite entender melhor nossos próprios desejos e limites, além de oferecer uma visão mais ampla da sexualidade humana.

Afinal, a pornografia é só uma forma de se representar, visual ou textualmente (como nos contos eróticos), o sexo e a sexualidade. E, assim como qualquer forma de arte, ela pode ser usada para explorar e questionar questões sociais e políticas. Muitos artistas e ativistas têm usado a pornografia para desafiar normas sociais e culturais, falando sobre questões como gênero, sexualidade, poder e identidade.

Ao criarem uma pornografia que foge dos padrões convencionais e mexe com as expectativas do público, essas pessoas estão dando a cara a tapa, confrontando as estruturas de poder e reivindicando a própria autonomia sexual. Ou simplesmente buscando uma forma de sobrevivência.

Mas é importante lembrar que trabalhadores sexuais encaram uma série de desafios “da categoria”. Sofrem com falta de proteção legal, estigma social e exploração econômica. Por isso, é essencial que haja uma organização política e institucional para garantir a trabalhadores sexuais seus direitos básicos e promover mais inclusão e igualdade na sociedade. Essa luta por direitos inclui pedidos por melhores condições de trabalho, acesso a cuidados de saúde decentes, proteção contra violência e discriminação e o direito de trabalhar de forma digna e segura. É uma luta importante para garantir que trabalhadores sexuais recebam tratamentos respeitosos e dignos, e tenham o apoio necessário para exercerem sua profissão de maneira segura e autônoma.

E aqui quero chamar atenção para um aspecto: muito se fala que o trabalho sexual afeta de maneira negativa nossa saúde mental. Mas, falando do ponto de vista de quem trabalha nessa área, posso afirmar que isso é mentira. No fundo, o que prejudica nossa saúde mental são as formas capitalistas e neoliberais em que estamos inseridos. Com o desmonte das leis trabalhistas e oportunidades mínimas, do médico ao engenheiro, do professor ao psicólogo, profissionais estão sendo obrigados a virar criadores de conteúdo, influencers.

Para quem cria conteúdo adulto, durante o momento de criação e gravação, desde o processo de escolha da estética da cena, dos figurinos, da luz, da fotografia, do enquadramento das câmeras e dos roteiros, estamos expandindo nosso lado criativo. Trocar desejos com quem vamos gravar é um exercício de relacionamento. E isso é uma delícia. Porém, depois que estamos com o produto audiovisual nas mãos, precisamos vendê-lo, precisamos conquistar assinantes e, para isso, recorremos às redes sociais. Essa é a parte agressiva. Pois, novamente, temos de dedicar nosso tempo na criação de conteúdo sem remuneração – sem falar que sofremos ataques em função do preconceito à profissão, principalmente as mulheres –, e as políticas de diretrizes das redes bloqueiam e banem as nossas contas. Temos então de recomeçar tudo do zero. Isso, sim, é o que afeta nosso psicológico.

Sendo assim, quando reivindicamos e insistimos no nosso direito ao prazer, estamos dando um chega para lá nas estruturas que querem controlar e reprimir nossos corpos e desejos. Num mundo no qual, muitas vezes, tentam impor uma série de regras sobre moralidade e comportamento sexual, buscar o próprio prazer pode ser um ato radical.

Essas são só algumas reflexões que podem estimular novos olhares sobre esse universo. Porém, cabe a cada um escolher os meios para lidar com essas questões. Portanto, mãos à obra!

Mario Filho (Aquele Mario) é ator, bufão e performer, graduado em artes cênicas, artes visuais e pós-graduado em desenho animado. Decidiu produzir conteúdo adulto com foco em discutir masculinidades e apresentar cenas com experimentações estéticas e um olhar afetivo.


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