Clínica miúda
O monstro Ouroboros, que morde a própria cauda (Reprodução / Arte Revista Cult)
Há uma tendência entre os analistas lacanianos de reduzir ao máximo o uso de material clínico nas discussões de caso e nas publicações de artigos e livros. Essa tendência advém da crença de que utilizando a teoria para ler os fenômenos clínicos, alcançaríamos uma suposta transmissão livre das seduções das narrativas, quase sempre muito impressionistas. Criou-se então um novo ideal de transmissão: nos debates clínicos, deve-se falar pouco da clínica.
Nesses debates, os conceitos devoram nossas pequenas dificuldades transformando-as em deficiências formativas ou erros de compreensão. Os projetos clínicos e as concepções diagnósticas distintas não encontram termo de comparação que não a gerada pela autoridade do supervisor e da escola na qual esta se apoia. A antiga tradição da narrativa clínica, circunstanciada como capítulo de uma literatura menor, torna-se capítulo secundário de demonstrações que constrangem a experiência a confessar o que os conceitos já nos garantiram com anterioridade. Toda clínica tornou-se extraordinária e pirotécnica, sem lugar para desvios, falhas e fracassos tematizados. Como resultado, temos uma clínica cada vez mais miúda, submetida à teoria já enunciada por Freud e Lacan, sem ousar questioná-la.
Entre os analistas lacanianos, o fascínio pela teoria provoca um distanciamento cada vez maior do sofrimento de seus analisandos. Assim como na Viena do fim do século 19, onde muitos médicos se interessavam mais pela pesquisa, pelas autópsias e pela anatomopatologia do que pela relação terap
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