A cidade, a religião e a escrita em “A vida mentirosa dos adultos”

A cidade, a religião e a escrita em “A vida mentirosa dos adultos”
Rua de um bairro da periferia de Nápoles (Foto: Theo Roland/Unsplash)
  Quando tinha 16 anos, Elena Ferrante leu os quatro livros do Evangelho, um atrás do outro, como contou em 2018 para o jornal britânico The Guardian, em texto posteriormente publicado na antologia L’invenzione occasionale , ainda inédita no Brasil. A lembrança que a autora tem dessa experiência é parecida com a de Giovanna, protagonista do romance A vida mentirosa dos adultos (Intrínseca, 2020), ao ler uma edição comentada dos livros de Mateus, Marcos, Lucas e João. Deus abandona o próprio filho em uma cruz, à revelia dos acontecimentos, como um barco à deriva. Essa história se apresenta para Giovanna, filha de professores progressistas, que vive uma vida protegida e amorosa até então, como uma terrível fábula obscura. O abandono paterno e o sofrimento como salvação não fazem o menor sentido para a vida que ela conhece. Mas a adolescência é justamente a fase em que as certezas podem se dissolver e o mundo dos adultos se aproxima com toda sua complexidade. A vida mentirosa dos adultos, obra de ficção mais recente de Elena Ferrante, é o primeiro livro publicado depois da tetralogia napolitana. Muito aguardado por leitores e pela crítica, foi lançado na Itália em 2019 e chegou ao Brasil no ano seguinte, com tradução de Marcello Lino. Nele, Ferrante retoma algumas temáticas caras a seu projeto literário e traz questões refinadas de caráter filosófico, que podem parecer incompatíveis com a idade da protagonista. Giovanna passa por problemas comuns da adolescência e seu desempenho fraco na escola mobiliza os pais. Quando tem ent

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