Chico Buarque – 80 anos: Na boca do povo, cantando
Arquivo Nacional
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Poeta, músico, dramaturgo, escritor. Trovador, sambista, compositor, cronista. Ameno ironista, lírico insuperável, prosador inquieto. Cidadão que não se furta a deixar claro de que lado da História está. Convidadas pela Cult, algumas personalidades da cultura brasileira falam do artista que completa, neste 19 de junho, 80 anos.
Letrux, cantora e compositora
Minha mãe e meu pai ouviam Chico Buarque desde que me lembro por gente. Ele fez parte da minha criação, da minha vida. Chico e Bethânia ao vivo era uma hecatombe. Lembro de dublar, chorar e de me emocionar ao espelho da minha casa ouvindo esse álbum. Ele é fã da língua, fã das palavras, e por isso sinto que se desdobrou, como o bom geminiano que é, em várias facetas, mas claro, sempre guiado pela palavra. Sou muito fã dele como compositor, cantor, dramaturgo e escritor. Mas foi através da música que fui seduzida para seu mundo.
Nunca o conheci, infelizmente, mas meu namorado tem uma boa história. Um dia ele estava perdido dentro de um condomínio indo dar aula de música. Ele viu um homem na rua do condomínio e perguntou onde é a casa. Ele não tinha reconhecido que era o Chico Buarque de costas, e meio de longe, mas Chico logo começou a ajudá-lo a achar a tal casa.
Marcos Valle, cantor e compositor
A obra do Chico que mais me marcou foi “Sabiá”, com melodia do Tom Jobim. A música e a letra são lindíssimas. Eles concorreram em um festival do qual eu também estava participando. E eu fiquei impressionado por “Sabiá” ter sido tão vaiada ao ser anunciada como vitoriosa, porque o público torcia por “Pra não dizer que não falei de flores”, do Geraldo Vandré, sem perceber o quanto essa música, além de belíssima, também era uma canção de protesto.
João Parahyba, percussionista do Trio Mocotó
Minha história com Chico é de antes das músicas. Eu era amigo de Ana de Hollanda, irmã de Chico, e íamos juntos a saraus na casa deles. Eu sou 6 anos mais jovem que Chico e estudamos ambos no Colégio Santa Cruz. Talvez os dois fossemos os “fora da curva” do colégio. Eu o acompanhei como fã e como músico desde o primeiro festival da Record. Chico frequentava, assim como todos nós, a boate Jogral, de Luiz Carlos Paraná.
Alice Caymmi, cantora e compositora
Chico sempre foi uma figura quase mitológica para mim. Apesar de ter tido muito privilégios na vida, e de poder contar com o convívio íntimo de grandes artistas, ele não circulava no meu entourage.
Foi através da ligação de Chico com Tom Jobim que eu descobri sua magnitude. Segui por esse caminho porque meu pai (Danilo Caymmi) e minha mãe (Simone Caymmi) faziam parte da Banda Nova, que acompanhou Tom nos últimos 10 anos de sua vida. Quando eu tinha uns 14 anos, fui completamente atravessada por “Retrato em branco e preto”. A partir daí, busquei Chico por conta própria e me apaixonei completamente.
Há poucos anos eu fui a um show da Bethânia. Me disseram que ela falaria meu nome no palco. Bebi um pouco demais a ponto de não conseguir mais falar muita coisa e entrei no camarim. Enquanto eu tentava articular palavras com Bethânia, ouvi bem baixinho atrás de mim uma voz dizendo o meu nome. Era o Chico me olhando com um sorriso enorme. Eu o abracei muito e quase chorei pois não sabia que ele me conhecia. Pra mim foi um presente lindo.
André Simões, autor de Chico Buarque em 80 canções
Desde criança ouço as canções do Chico e gosto delas por influência dos meus pais, que são grandes admiradores. Não precisava entender muito para curtir. Minha preferida era “Vai passar”, parceria dele com o Francis Hime. Meus pais me diziam que era uma canção “política”, e eu, com uns cinco anos de idade, saía repetindo isso entusiasticamente pros meus amiguinhos, que estavam mais interessados na rivalidade entre Xuxa e Mara Maravilha. Por conta dessa e de outras anomalias, eu não era exatamente o mais popular do Jardim 2, mas hoje devo agradecer pela criação pouco convencional. Ter tido contato com a obra do Chico tão cedo me permitiu escrever um livro sobre ele muito rapidamente. Da idealização à chegada da gráfica, foram menos de cinco meses para Chico Buarque em 80 canções (Editora 34, 2024) se materializar, mas é como se já estivesse sendo preparado há 39 anos.
A parte da obra artística do Chico que mais me toca, e que seguramente é a mais importante, vem de sua produção como cancionista. A abrangência musical de Ópera do malandro, com tantos ritmos diversos, tonalidades líricas, do altamente dramático ao cômico, nunca deixa de me impressionar.
Ava Rocha, cantora, compositora e cineasta
Lembro que quando fui morar em Bogotá, aos 14 anos – e lá fiquei até os 20 numa época em que não havia internet –, além dos discos que tinha levado comigo pra lá, ouvia um programa brasileiro de rádio que passava toda quinta às 17h. Eu gravava os programas porque passava muita música brasileira, é claro que o Chico era presença constante.
Quando vim passar férias no Brasil, comprei o disco Chico Buarque, de 1966. Esse foi um disco que me conectou muito com o Brasil nesse período. Escutei depois toda a obra dele, que é genial. Fui descobrindo também outras canções interpretadas pelos seus tantos outros intérpretes.
No dia em que fui assisti-lo no Canecão, tive a oportunidade de ir ao camarim cumprimentá-lo, mas fiquei tão nervosa que acabei sendo antipática. Na hora que ele veio me cumprimentar eu fingi que meu celular estava tocando, e me virei para atender. Deixo claro que não é de meu costume fazer isso. Apenas estava nervosa mesmo. Devo ter causado uma péssima impressão, mas espero que ele nem tenha percebido, já que havia milhares de pessoas lá sendo gentis, como ele merecia. Quem perdeu mesmo fui eu. Perdi a oportunidade de dizer pra ele o quanto o show tinha sido incrível, de poder dar um abraço. Aproveito e peço desculpas mesmo sabendo que ele não se lembra daquele dia. Depois, nunca mais estive com ele.
Caetano Galindo, escritor, tradutor, linguista e autor de Latim em pó
Meu pai é um devoto absoluto de Chico Buarque. Na verdade, só na hora em que eu nasci ele cedeu ao sangue baiano e acabou me chamando de Caetano, mas eu deveria me chamar Francisco, por toda a justiça poética. Eu e meu irmão crescemos numa casa em que se ouviu muito Chico Buarque desde sempre. O meu contato com ele vem desde a mais tenra infância.
Porém, acho que o contato mais impressionante que tive com Chico se deu com a Ópera do Malandro, a obra dele que eu acho a mais definitiva. Eu considero que essa é a nossa maior resposta ao projeto de Joyce em Ulisses: a coisa do poliestilismo e da mistura de cultura popular com cultura erudita; as citações, a proposta de ser uma obra baseada em outra obra, como o Ulisses é baseado na Odisseia, eu acho isso de uma riqueza, de uma sofisticação em em tantos níveis. É difícil de se encontrar algo assim em qualquer outro lugar.
Filipe Catto, cantora, instrumentista e compositora
Conheci o Chico Buarque através das suas intérpretes. Acho que a primeira coisa que me impactou do Chico foi Bethânia cantando “Olhos nos Olhos”. Depois Gal cantando “Folhetim” e Elis cantando “Atrás da Porta”. Eu percebi assim, na densidade e na dramaticidade dessas interpretações, a profundidade dessas letras. Foi enquanto um grande tradutor da alma feminina que o Chico me ganhou. A capacidade dele de entrar nesses lugares de uma forma tão visceral foi o que sempre me deixou fascinada.
Pra mim, o disco de Chico é o Construção. Eu acho a coisa mais magnífica que tem; acho um dos maiores discos da música brasileira. Os arranjos do Duprat, aquela concepção estética da obra poética toda, o violão, as percussões… Eu acho um disco extremamente moderno até hoje.
Xênia França, cantora e compositora
Acho que Chico entrou na minha vida como entrou na vida da maioria dos brasileiros: através das novelas, das canções que ele fez para as grandes cantoras, como Maria Bethânia. Em 2014, quando eu estava começando minha carreira no Alafia, houve uma homenagem aos 70 anos dele. Desde criança, eu achava “Construção” uma música difícil, e é mesmo. Mas eu cantei essa música e foi incrível. Era uma época em que já entrávamos em um momento obscuro da política, então todos os artistas que estavam envolvidos se posicionaram sabendo que Chico é uma pessoa que sempre se posicionou politicamente.
Keyla Fogaça, cantora do Quarteto em Cy
Eu entrei em contato com a obra do Chico Buarque pela primeira vez nos anos 90, quando eu tinha meus 13, 14 anos. Eu me lembro perfeitamente de ter escutado Vida, uma música que me impactou muito. Eu era jovenzinha demais, e as outras pessoas da minha idade tinham outras preferências, outros estilos musicais, então eu ficava mais afastada, no meu mundinho porque eu preferia passar as tardes com a minha melhor amiga de infância ouvindo Chico Buarque. O irmão dela foi quem me apresentou à obra do Chico.
Mas eu vivi mesmo a obra de Chico, quando entrei no Quarteto em Cy, porque ele era muito presente no quarteto e na vida das irmãs. Ele participava dos discos do quarteto sempre que Cynara o convidava. Nós fizemos inclusive a turnê dos 70 anos de Chico Buarque. Ele sempre foi muito gentil, gravou um depoimento pra gente nesse show. Eu tenho muita gratidão por ter feito parte disso. Por ter conhecido e vivido essa história de alguma forma.