Cascas de laranja

Cascas de laranja
Agere ifá de madeira do século 19 em forma de mulher com criança nas costas, da Nigéria, século 19 (The Cleveland Museum of Art)
  Vi num desses vídeos que a rede social vive pregando em nossos olhos, enquanto a timeline rola feito esteira de academia. Era um cara experimentando passar café de jeitos diversos, um autoproclamado desafio para o purismo de baristas: café pelo gelo, café com frutas, através de vegetais, com casca de laranja. Um rebelde 360 graus. Eu nunca havia tentado, apesar de ter gostado do vídeo e de café ser a minha principal fonte diária de água. Foi um dia particularmente prazeroso também. Linda, minha filha, teve consulta médica marcada para o horário do período escolar, de forma que ela não foi à escola, e eu, nesse período, não trabalhei. Saímos, fizemos o que precisava ser feito, passeamos um pouco e convivemos deliciosamente, com facilidade e leveza que tenho experimentado pouco nos últimos tempos. Não por ela, claro, que é uma companhia divertida e uma criança alegre. Por mim e pelos nós que a maternidade me apresentou, que ainda não dei conta de desfazer. Ter Linda foi uma decisão planejada e consciente. Ainda hoje, no entanto, tenho dificuldade de responder “por quê?”. Até aquele momento da minha vida, a maternidade não só não era uma vontade: era uma recusa. Não queria nem via sentido em querer e, de repente, naquele momento, naquele contexto, eu quis. “Consciente.” Sempre falo que foi uma decisão “consciente”. Quão consciente é possível ser, de fato, uma decisão como essa? Seria análoga ao grau de escolha e eletividade da opção por empregar-se, por exemplo? Ou ao tipo de trabalho que escolhemos exercer?

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