CAPES, ciência e democracia

CAPES, ciência e democracia
O ministro da Educação Milton Ribeiro, o presidente Jair Bolsonaro e a nova presidente da CAPES, Claudia Mansani Queda de Toledo (Foto: Reprodução/Twitter)

 

Em seu conhecido ensaio, Experiência e Pobreza, publicado em 1933, Walter Benjamin trata, entre outros aspectos, da barbárie e de como, diante dela, alguns são compelidos a “partir para frente, a contentar-se com pouco, sem olhar para a direita ou para esquerda”. Será esse o caso da sociedade científica brasileira e das universidades? Estou convicta de que não é. Ao contrário, se há um mito que define bem a situação atual da ciência brasileira é o de Prometeu.

Prometeu foi aquele que roubou o fogo dos deuses e deu aos seres humanos. Talvez nenhum mito expresse de modo mais contundente a ciência brasileira atualmente, resistindo ao fígado devorado. É com grande responsabilidade que a comunidade científica deste país, munida de alto senso de responsabilidade e de esperança, tem empreendido esforços para o combate de uma crise que apresenta, pelo menos, cinco perspectivas: (i) saúde; (ii) sanitária; (iii) econômica; (iv) social e (iv) ambiental, todas inter-relacionadas, sem que um aspecto seja hierarquicamente mais relevante que o outro, ou seja, qualquer enfrentamento deve se direcionar ao conjunto.

Mas o coronavírus deflagrou, ainda, uma crise profundamente ética que subjaz às demais esferas e que põe em dúvida a legitimidade do conhecimento científico, cujo papel para o desenvolvimento de uma sociedade, para a preservação da vida no planeta e para a garantia de condições dignas de vida é inegável. Ao colocar a legitimidade da ciência e das pesquisas em xeque, tal crise ataca e fragiliza o cerne do espaço privilegiado de sua produção, construção e divulgação: a universidade.

 

O saber científico não dá
sentidos à vida, mas acessos,
e se o caminho agora se faz
agreste, também se faz com
força ímpar.

 

 

São inegáveis e incontestáveis as contribuições dos cientistas, das pesquisas e da universidade, sobretudo a pública, no quadro extremamente duro em que estamos afundados, e é urgente que a integração, o diálogo e a manutenção e ampliação do fomento à pesquisa e da divulgação científica tenham alcance suficiente para que possamos somar esforços a fim de resistir e ultrapassar as adversidades.

A pesquisa científica produzida nas universidades desempenha papel crucial na formulação das bases que permitirão recolocar o Brasil na trilha da superação da pandemia e do reencontro com o desenvolvimento sustentável e o compromisso social. É, de fato, imenso o desafio de compor tais bases e de fortalecê-las como instâncias que emerjam do debate profícuo, do pluralismo e que são instrumento de ação e intervenção positiva na realidade, não apenas para enfrentar a realidade quimérica que se nos apresenta, mas para também avaliar saídas e perspectivas futuras, pós-pandemia.

Em outras palavras, é através dos portais de uma universidade democrática, autônoma, ética e cada vez mais justa, que promove excelência com inclusão, que a ciência pode dialogar com outras formas de saber, vindos da cultura, para promover a emergência de um Brasil outro. É através desses portais que tais saberes encontram um lugar dialógico, ao mesmo tempo que as pesquisas científicas, desenvolvidas em todos os campos do saber, reverberam e atuam positivamente em contextos locais, regionais, nacional e global.

Nesse espectro, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Ensino Superior) é pedra angular, sem a qual as pesquisas brasileiras ficariam condenadas a definhar, pois é, em especial, no âmbito da Pós-Graduação que a fronteira do conhecimento avança. É por meio dos programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado financiados pela CAPES, por meio de editais específicos voltados a eventos, editais de fomento, bolsas no exterior e avaliação rigorosa dos Programas de Pós-Graduação, apenas para citar alguns pontos, que recursos humanos são formados e/ou financiados para atuar no e pelo país.

Diante do irrefutável papel da ciência, da universidade e da importância do Sistema Nacional de Pós-Graduação, a demissão do Presidente da CAPES, Benedito Guimarães Aguiar Neto, e a nomeação de Claudia Mansani Queda de Toledo, pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, tomaram de assalto a comunidade acadêmica nos últimos dias. Foram várias as entidades e associações que manifestaram sua surpresa e apreensão, pois a presidência deste órgão exigiria um currículo com trajetória acadêmica consolidada e de excelência na Pós-Graduação, inserção na pesquisa em termos nacionais e internacionais.

A apreensão também se deve ao fato de estarmos às vésperas da entrega do Relatório de Avaliação dos Programas (pela Plataforma Sucupira) e em vias de definição do Plano Nacional de Pós-Graduação. No último ano, a ciência brasileira enfrentou ataques contundentes, impactada por uma política de cortes e restrições orçamentárias, o que já indica uma distorção nos preceitos de valorização das pesquisas e de priorização dos investimentos em educação e formação.

 

Dito de outro modo: a CAPES
precisa manter-se como o elo
que articula excelência científica,
pesquisa e democracia.

 

 

Efetivada a nomeação da nova presidência, cabe às universidades e à comunidade científica o estabelecimento de vigília constante, recusando-se à pobreza da experiência e à barbárie imposta pelo pensamento negacionista, que faz seguir em frente, contentando-se com migalhas, sem olhar para direita ou esquerda. Essa atitude crítica, que zela pela qualidade do sistema que rege grande parte da pesquisa no país, não pode se deixar capturar pelo medo. É premente fugir desse domínio em que a autocensura e o receio podem levar ao não enfrentamento de decisões arbitrárias por temor de retaliações. Não podemos nos furtar a manifestações firmes e exigentes no que tange à CAPES, à defesa da pesquisa e da ciência.

Cabe, portanto, reivindicar e cobrar que a atual gestão seja pautada pela busca incessante dos avanços na pós-graduação no país, com a excelência que se tem construído e preservado há décadas (a CAPES foi fundada em 1952), em todas as áreas do conhecimento, bem como a observância da estabilidade na condução da avaliação, das linhas de fomento, que reafirmem o compromisso com o desenvolvimento sustentável, com o valor da ciência e do estado democrático de direito, laico, em prol de uma sociedade justa, igualitária e saudável o bastante para retomar a prosperidade a que se destina, em tempos que, como ensina Caetano, a matéria vida é cada vez mais fina.

Diana Junkes é Pró-Reitora Adjunta de Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, onde leciona na graduação e na pós-graduação na área de literatura e coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Poesia e Cultura – NEPPOC/CNPq. É pesquisadora produtividade do CNPq. Como poeta e crítica literária assinou entre maio de 2020 e março de 2021 a coluna Musa Militante na Revista Cult.


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