Brasil sem notas de rodapé

Brasil sem notas de rodapé

Marília Kodic

Com o intuito de “alcançar tanto os professores e alunos de história como um público geral” e “despir a comunidade acadêmica de seus instrumentos tradicionais”, segundo a diretora do projeto, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, a Fundación Mapfre e o Grupo Santillana (Editora Objetiva) lançam o primeiro de seis volumes da coleção História do Brasil Nação: 1808-2010.

Sob o título Crise Colonial e Independência – 1808-1830, esta primeira obra tem coordenação do escritor e historiador Alberto da Costa e Silva e é dividida em cinco capítulos, cada um escrito por um autor diferente: população e sociedade, vida política, relações internacionais, economia e cultura.

O modelo de seções temáticas será usado nos demais livros, que devem estar à disposição do público até o primeiro trimestre de 2013. “Os diferentes volumes não pretendem, apenas, compilar matéria e conhecimento prévios; mas introduzir novas interpretações”, diz Lilia.

Além do Brasil, outros nove países ibero-americanos fazem parte do projeto. Paralelamente, para junho do ano que vem, está programada uma exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, com 600 fotografias que recontam a história do Brasil.

CULT – O que diferencia os livros de outros de história do Brasil?

Lilia Schwarcz – Já foram publicadas previamente excelentes coleções de história do Brasil. A “História geral da civilização brasileira, dirigida por Sergio Buarque de Holanda e depois Boris Fausto; a “Tudo é história” (Brasiliense) e a “História da vida privada no Brasil” (Companhia das Letras) são ótimos exemplos nesse sentido.

Acredito, porém, que o que diferencia esse projeto é a perspectiva unificada, o mesmo tratamento dado a todos os livros (com um capítulo dedicado à política, outro à sociedade, outro à relações internacionais e mais outro à cultura) e a clara intenção de usar uma linguagem mais despojada – e, assim, alcançar pública mais amplo.

Por outro lado, a coleção também se diferencia dos livros eminentemente de divulgação, uma vez que congrega pesquisadores e especialistas que trazem resultados de pesquisa novos. Ou seja, os diferentes volumes não pretendem, apenas, compilar matéria e conhecimento prévios; mas introduzir novas interpretações.

Por fim, a intenção é comparativa. Num país com pouca tradição nesse sentido, a ideia é alcançar um público novo, nacional, mas também latino-americano.

Como foi a escolha dos autores e qual a importância da participação dos mesmos para o resultado final?

A escolha foi fundamental. Como diretora, selecionei a equipe de coordenação e fui, ao mesmo tempo, ajudada por eles nesse primeiro processo de idealização. Esse primeiro momento já conferiu ao grupo um perfil de “equipe”, no sentido de compor um conjunto de especialistas dispostos ao debate.

Depois disso, cada coordenador selecionou seus colaboradores de volume, e, mais uma vez, analisamos bem o perfil de conjunto da equipe que ia, então, se formando. Por conta da estrutura dos livros, acabamos contando com equipes multidisciplinares, perfil esse raro em nossas obras coletivas.

O resultado é uma coleção que guarda os estilos individuais e até mesmo certas discordâncias, mas sem jamais perder seu perfil de obra conjunta.

Qual o público alvo dos livros?

A coleção pretende alcançar tanto os professores e alunos de história (carentes de manuais desse tipo), como um público geral, cada vez mais atento a esse tipo de obra e interessado em recuperar uma certa memória nacional.

Esse fenômeno não é novo, o que talvez seja novo é a comunidade acadêmica se despir de “seus instrumentos tradicionais”, buscar ajustar a linguagem e aceitar o desafio de escrever para o grande público. Isso sem esquecer do apuro gráfico da coleção.

Os livros não têm notas de rodapé, o que é incomum em obras de história. Por quê?

A coleção visa a alcançar um público não especializado, que procura mais pelo conteúdo e menos pelas referências bibliográficas. Mas é preciso que se diga que a bibliografia está toda ao final de cada volume. Afinal, a ideia é motivar a leitura, mas sem facilitar.

A ausência de notas não significa uma interpretação mais simples ou simplista. Ao contrário, pouco habituados a esse tipo de desafio, os autores tiveram que se esmerar para explicar de maneira rigorosa uma série de contextos e situações históricos, e sem contar com o “apoio” das citações fáceis.

Há alguma informação nova revelada na coleção?

Há muitas. Basta notar que mudamos o nome da coleção brasileira para “História do Brasil Nação” (o nome da coleção original da Mapfre é “História contemporânea”). O objetivo é mostrar como história é processo, é construção, e não jogo de resultado prévio.

Os diferentes volumes percorrem momentos distintos, mas mostram, em seu conjunto, a luta pela cidadania, a espinhosa questão racial expressa nesse país que foi o último do Ocidente a abolir a escravidão, a difícil distinção entre esferas públicas e privadas, a originalidade de um país de grupos e culturas mestiçadas, e assim vamos.

As novas informações estão à espera do leitor em cada um dos volumes, assim como no volume dedicado à fotografia, que apresenta um elenco de imagens surpreendentes, pouco conhecidas e introduzidas a partir de argumentos muito revigorados.

Mas deixo essa tarefa aos leitores. Cabe a eles confirmar (ou não) a novidade da empreitada. A equipe, ao menos, anda satisfeita. Todos os volumes estão entregues (o que também é raro em uma obra coletiva) apenas à espera do sequenciamento na Objetiva.

Coleção História do Brasil Nação – vol 1 – Crise Colonial e Independência: 1808-1830
Dir.: Lilia Moritz Schwarcz
Alberto da Costa e Silva, Lúcia Bastos Pereira das Neves, Rubens Ricupero, Jorge Caldeira e Lilia Moritz Schwarcz
Objetiva
256 págs.
R$ 39,90

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Novembro

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