Bolsonaro e o Progressistas: rendição ou volta pra casa?

Bolsonaro e o Progressistas: rendição ou volta pra casa?
Hoje se constata que Bolsonaro continua um anão, só que na ausência de gigantes, reais ou imaginários, aninha-se gostosamente no colinho de Ciro Nogueira e do seu Progressistas (Fotomontagem: Redação)

 

O governo Bolsonaro enfrenta o seu pior momento. Do ponto de vista dos prognósticos eleitorais, as chances de reeleição estão consideravelmente reduzidas, porque hoje apenas os bolsonaristas são votos garantidos em 2022. O bolsonarismo radical rosna e morde, mas continua minoritário, portanto, insuficiente para sozinho assegurar a eleição do seu líder. Além disso, a CPI vai fazendo estragos na retórica de imunidade à corrupção que foi essencial para que o país cometesse a loucura de eleger Bolsonaro em 2018. A cada enxadada, uma minhoca, a cada depoimento dado ou documento investigado saltam fora várias revelações de corrupção, prevaricação ou simplesmente de inépcia, inaptidão para governar.

O apoio popular escorre pelo ralo e a base parlamentar é alugada, pois, dentre outras coisas, há 20 meses o presidente governa sem sequer ter um partido para chamar de seu. Nada já o protege do impeachment desejado pela maioria dos cidadãos, a não ser o pagamento pela proteção que lhe oferece o Progressistas mediante cargos e verbas do orçamento, que era público e virou secreto nas mãos de Arthur Lira. A continuar minguando a sua popularidade e acelerando-se a decomposição da sua imagem pública, tampouco poderá o presidente fazer as entregas das reformas pelos quais já lhe pagaram antecipadamente, em apoio financeiro e voto, os seus credores das assim chamadas “classes empresariais”. Assim, quanto mais sangra Bolsonaro mais altas serão as taxas cobradas pelos partidos que lhe vendem proteção e promessas.

É nesse quadro que se deve entender o avanço do Progressistas (ex-PP) na administração Bolsonaro, que esta semana teve um passo decisivo na entrega das chaves do Executivo a Ciro Nogueira, o cacique do partido, a figura que mais perfeitamente sintetiza a velha política que o bolsonarismo jurou que despreza e que vomitava em cima. Depois de assumir o Legislativo, através de Lira, o Progressistas, por meio do senador Ciro Nogueira, assumirá a Casa Civil, considerada pelo próprio Bolsonaro a pasta mais importante do seu governo, para, dentre outras tarefas, viabilizar a aprovação pelo Senado do nome de André Mendonça para o STF.

A rendição ao Progressistas foi um espetacular ato de capitulação, considerando-se todo o discurso de campanha e do primeiro ano de governo. Afinal, muita gente comprou Bolsonaro em 2018 como um anão intelectual e moral, sim, mas assentado no ombro de dois que à época eram considerados gigantes: Sérgio Moro e Paulo Guedes. Pois hoje se constata que Bolsonaro continua um anão, só que na ausência de gigantes, reais ou imaginários, aninha-se gostosamente no colinho de Ciro Nogueira e do seu Progressistas.

Assim que foi feito o anúncio da substituição do General Ramos por Nogueira, muitos foram desencavar declarações do futuro ministro em que ele diz, com todas as letras, que Bolsonaro é fascista. Mas a este ponto nem Bolsonaro está ligando para fichas limpas de corrupção nem o presidente do Progressistas se importa se o chefe do Governo é fascista. Este último está certo, posto que, afinal, não é Ciro Nogueira quem está entrando no governo. É o governo Bolsonaro que está sendo incorporado ao patrimônio do Progressistas.

Naturalmente, a tomada do governo pela coalização liderada pelo Progressistas é a repetição de algo que corre desde 2015: o chefe do Executivo Federal não consegue formar uma base parlamentar, os caciques dos grandes partidos fisiológicos articulam eles mesmos uma base e assumem o controle do governo. Foi assim com o segundo mandato de Dilma, com Temer e com Bolsonaro. Nós vivemos no pior tipo de parlamentarismo: mezzo parlamentarismo, mezzo presidencialismo. Quem tem bancada é que manda nessa bagaceira, mesmo sem ter tido um voto sequer para a Presidência da República. Quem forma mais rápido a melhor coalizão impõe ou evita impeachments, decide que reformas passa no Legislativo e que políticas públicas o governo está autorizado a implementar.

Nem sei por que agora inventamos de discutir o semipresidencialismo, a não ser que a ideia seja oficializá-lo, uma vez que é exatamente o que temos, um sistema em que um quase presidente governa juntamente com o meeiro. Bolsonaro ocupa-se de lives, ameaças à democracia, passeios de moto e lacrações, enquanto o Progressistas, que já era dono da Câmara, assume também a articulação política dentro do próprio Governo.

O fato é que Bolsonaro já nem se importa com as aparências, quem tem fome não escolhe o prato. Ele sabe que passou do ponto em que era ainda possível retornar no processo de rendição. Na verdade, mudou completamente a atitude e a retórica e até cogita mudar-se para a casa do parceiro e assumir definitivamente a relação. É nesse sentido que pode ser entendida a entrevista dada esta semana à Rádio Banda B, de Curitiba, em que fala do Centrão agora em termos carinhosos e edificantes. Vai-se a retórica da nova política, do fim do toma lá dá cá, do cargo que seria atribuído exclusivamente com base em competência e outros ouros de tolos que muito revoltado da antipolítica comprou como metal precioso em 2018. Em seu lugar entra a retórica da volta pra casa.

Na entrevista, Bolsonaro começa recusando o rótulo Centrão “como algo pejorativo, algo danoso à nação. Não tem nada a ver. Eu nasci de lá”, disse. “Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo de parlamentar”, constata. Se você fechar os olhos, consegue ouvir Roberto Carlos fechando o refrão de O Portão: Eu voltei, e agora pra ficar, porque aqui, aqui é o meu lugar.

Nós já sabíamos disso, o bolsonarista não fascista que o escolheu para dar um basta na velha política e pôr um fim à corrupção é que possivelmente deve estar passando por um episódio de dissonância cognitiva. Em palavras simples, deve estar se sentindo o otário que realmente foi.

 

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)


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