“Eles estão chegando!”

“Eles estão chegando!”
(Foto: Arte Revista CULT)
  Eu estava em uma casa grande, bonita, com grama ao redor. Recebi o convite para uma viagem a Paraty. Respondi que não era uma boa data e agradeci. Então fui informada de que o convite não era uma escolha. Viriam nos buscar — a mim, meu marido e filhos — no domingo seguinte.  Ao longo daquela semana, a polícia rondava mais e mais de perto, disseram ter encontrado maconha no nosso gramado, a tensão aumentava. No sábado, uma mulher tentou me matar, simulando um acidente, com uma espécie de punhal. Escapei. Mas quase morrer era pouca coisa diante da aflição de precisar avisar uma amiga, com quem teria uma reunião de trabalho na semana seguinte, sobre minha ida a Paraty.  Telefonei contrariada, dizendo que precisava desmarcar nosso encontro. Com rispidez suficiente para que eu percebesse a gravidade da situação, ela informou: “Eles vêm buscar vocês! Eles estão chegando!”.  Registrei o sonho acima na noite de 2 de março de 2018, doze dias antes da execução de Marielle Franco. Por doze dias conversei sobre o sonho com pessoas próximas. Levei a anotação para a terapia. Sentia palpitações cada vez que recordava. Eu passei a adolescência lendo sobre a ditadura militar e o nazismo. Intrigavam-me os relatos de pessoas que antecipavam o fechamento do cerco, aquelas e aqueles que saíram de Varsóvia antes dos guetos, da Alemanha antes do registro de judeus, do Brasil antes das prisões e torturas. Como sabiam? Haveria um cheiro? Um barulho? Como aquele que Stefania, mãe da escritora ruandesa tutsi Scholastique Mukasonga, ouvia an

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