Barraco no Anhangabaú

Barraco no Anhangabaú

MARÍLIA KODIC

Em um canto, cerca de dez pessoas sentadas em roda entoam a canção “Pescador de Ilusões”, de O Rappa. Noutro, sob a placa “Aula de História: R$ 0”, um professor universitário ensina a um pequeno grupo noções básicas de democracia. Ao lado, quatro crianças pintam desenhos usando as mãos, enquanto dois ou três índios usam as suas para batucar tambores. Na ordem do dia, há ainda exibição de filmes, palestra sobre sociologia, numeração de barracas e a organização de uma patrulha de limpeza.

O cenário é o Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, nas últimas semanas. Estão acampadas aproximadamente 150 pessoas em 60 barracas, com reivindicações que vão da legalização do aborto à revisão do Código Florestal Brasileiro. Ali, se organizam em comissões – cultura e arte, limpeza, cozinha, segurança, comunicação, etc.

Chamado de “Acampa Sampa” – embora haja membros que prefiram a sigla “15-O”, referência à data em que o movimento teve início (em 15/10) –, a ocupação mimetiza o movimento que começou na Espanha, em 15 de maio, e chegou aos Estados Unidos em 17 de setembro. Foi justamente em Nova York, especialmente em torno de Wall Street – centro financeiro mundial –, que ganhou repercussão mundial.

“O ano de 2011 está pipocando com uma série de mobilizações, e o que as une é o anti-capitalismo e a insatisfação com o sistema como um todo. A população é refém de um sistema representativo que, na verdade, não a representa. Então a ideia internacional é de ocupar coletivamente espaços públicos – que, na verdade, são nossos –, para pensar alternativas para um outro funcionamento desse sistema”, diz a jornalista Gabriela Moncau, que acompanha o “15-O” desde o início.

Além disso, segundo ela, há entre os manifestantes uma série de reivindicações específicas que “não têm hierarquia”, como os protestos contra o aumento da tarifa dos ônibus em São Paulo, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA) e o uso de armas letais durante manifestações populares. Defendem também a legalização do aborto e o uso de 10% do PIB para a educação.

“Minha pauta original são as emendas do Código Florestal, que tem erros perigosos, mas estamos todos aqui por muitas causas. É uma tentativa de pensar horizontalmente. O dinheiro não é privado, é público. Se o povo não pode manifestar suas necessidades, que democracia é essa?”, diz a astróloga Carmen Sampaio, depois de abraçar a repórter e desejar-lhe paz.

Segundo ela, todos os grupos sociais estão representados, desde moradores de rua – que, diz, somam 30% dos ocupantes – a cidadãos das classes A e B e de todas as idades. Além de São Paulo, o movimento se alastrou a outras cidades brasileiras – como o Rio de Janeiro, sob a alcunha “OcupaRio”, na Cinelândia (centro). Iniciado em 22 de outubro, uma semana depois da capital paulista, já conta com 130 barracas, segundo o curador e crítico de arte Bernardo Mosqueira.

“Lá, estamos focando também em questões locais urgentes, ligadas à moradia, às Olimpíadas e à Copa do Mundo”, diz.

Para Bernardo, que veio visitar a ocupação paulista, a carioca é mais “afetiva e sedutora”: “Tem algo de diferente no posicionamento coletivo. Aqui, as pessoas estão muito desconfiadas, dizem ‘ah, eles estão fazendo leitura labial em nós’, por conta da proximidade da sede da Prefeitura. No Rio, estamos mais tranquilos, rodeados de bares e teatros. Mas o movimento é o mesmo”.

O editor de vídeos Alexandre Palo, que também participa do “OcupaRio”, concorda: “Tenho vontade de ir para a Cinelândia e ficar lá. Tem um monte de artista, acadêmico, é uma grande parceria. E tem o papo –que não é mais hippie– de que somos todos irmãos, sim, e de que, juntos, temos força para fazer coisas positivas”.

Ainda sem grandes confrontos com a polícia, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, os manifestantes não pretendem sair tão cedo. “Se quiserem explodir o Viaduto do Chá, cai em cima da minha cabeça, mas eu morro feliz”, diz um anônimo que se identifica como “Kuca”.

Curioso: os manifestantes conseguiram se unir em torno do capitalismo como grande inimigo a combater, mas ainda não pacificaram a rivalidade entre as duas maiores cidades brasileiras.

(6) Comentários

  1. Apenas p/ esclarecer, a Casa Da Sabedoria Brasil (última foto) NÃO apoia a legalização do Aborto!

  2. Parabéns, Diego Castiello! Saudações para a Casa da Sabedoria! Bom saber que trata-se de uma instituição pró-vida!

  3. Fiquei muito contente em ver a Cult visitando o Viaduto do Chá e divulgando esse importante movimento na revista, especialmente porque não é divulgado como deveria. Mas foi frustrante ver o enfoque dado à opinião do visitante Bernardo. Visitar não significa conhecer, e o pior foi o teor comparativo, confirmando como “curioso” uma suposta rivalidade entre “as duas maiores cidades brasileiras”. Esses crescentes movimentos estão lutando, nas diversas pautas,pelo respeito à diversidade e contra essa neutralização pela qual trabalha o sistema capitalista. Esse enfoque dado a um visitante que conclui o movimento em São Paulo e compara com o do Rio neutraliza a luta, conclui precipitadamente e não valoriza o que temos de mais rico: a diversidade.

  4. péssimo saber que é uma instituição tão rasa, querendo-se sábia, e conservadora, que com a vida e a liberdade das próprias mulheres não se preocupa, sendo a favor de estatizar e policiar o uso livre delas do próprio corpo.
    Só essa “rivalidade” entre RJ e SP que com certeza não existe… os acampamentos são cheios de artistas, permacultores, ambientalistas e gente contestadora de todo o tipo e de todo canto que não liga para regionalismos. Legal terem feito uma matéria assim, mas nenhuma leitura substitui a visita ao local, mesmo.. sentir a energia das pessoas, ver a dinâmica da cozinha, da limpeza, das barracas, conhecer a causa de cada um, ver as faixas, a hortinha, enfim…

  5. é precisamente por isso que se pede que não se leve material de partidos/ONGs/etc e evitamos estas besteiras de comentários

  6. Muito bom entender do que se trata o movimento. Passo todos os dias no Anhangabaú, mas não conseguia entender direito as reinvindicações e o que estava acontecendo. Fico muito feliz por saber que existem pessoas disposta a lutar pela transformação. A todos participantes do Ocupasampa e de outros movimentos que lutam pela diversidade, justiça e igualdade de direitos e deveres, meu abraço solidário!

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