Autor transforma votação do impeachment na Câmara em ‘poema épico’

Autor transforma votação do impeachment na Câmara em ‘poema épico’

Com Sessão, Roy David Frankel quer mostrar que, durante o processo, direita e esquerda tiveram muito mais pontos em comum do que diferenças

 

Há exatamente um ano, a Câmara dos Deputados votava o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Além do clima de intolerância e radicalismo político, o processo ficou marcado pelas justificativas usadas pelos parlamentares no momento do voto: “Pela família quadrangular”, “pelo aniversário da minha neta”, “pelos médicos do Brasil”, “pelos idosos e pelas crianças”. 

As sentenças viraram matéria-prima para o poeta carioca Roy David Frankel. Em Sessão, o autor utiliza os registros taquigrafados de duzentos discursos proferidos pelos deputados durante a Sessão 091 e os transforma em versos – sem cortes, edições ou interrupções, mantendo a ordem das falas, como num longo poema épico.

“Não há palavras minhas no texto, só na introdução, para explicar o funcionamento do livro”, conta. O resultado é um amálgama de discursos que lembram charges, e que causam estranhamento ao leitor dentro do que deveria ser a seriedade da política.

Trecho de ‘Sessão’, de Roy David Frankel (Reprodução)

Além do conteúdo, a forma também se torna protagonista. Em versos livres, o autor brinca com a palavra escrita, transformando-a em seus significados: um “alongado” que se estende na horizontal, um “profundo” que corta as estrofes na vertical, um discurso de direita que fica à direita da página – e, frequentemente, as palavras “nação”, “país” e “Brasil” aparecem isoladas do restante: “São palavras repetidas exaustivamente tanto por um lado quanto por outro”, explica. 

O que o poeta pretende é trazer outra forma de reflexão sobre a deposição de Dilma: “Quero que se pense sobre esse momento histórico independentemente da posição política. É um modo de tentar dialogar de um jeito não binário, porque temos muitos mais pontos em comum do que diferenças”, diz. “A grande questão é fazer o impeachment falar por si só, como um personagem.”

Há, ainda, outra reflexão dentro do título: a palavra “sessão”, pelo som, também pode dar a entender “seção” – que significa corte, separação, diferenciação. Para o autor, é assim que o Brasil está, mesmo agora, um ano após o processo: “Se você gostou do processo, você é golpista. Se não gostou, automaticamente é classificado como petralha. Mas o que ninguém vê é que os dois lados têm muito mais pontos em comum do que diferenças”.

Trecho de ‘Sessão’, de Roy David Frankel (Reprodução)

Na busca de uma provocação imparcial, o poeta não identifica nenhum dos autores dos discursos originais. Isso porque a intenção não é execrar um dos lados ou um político específico, mas mostrar que esse tipo de espetáculo cômico é uma constante na política brasileira: “Assistindo à votação dava para ver que os deputados se prepararam para falar aquilo. Não foi uma coisa do momento; eles realmente achavam que agradecer a Deus, à mãe e à família era adequado”, critica.

Com o livro, Frankel quer despertar o interesse político do leitor: “Usando as palavras concretas, Sessão leva à interpretação do que de fato aconteceu na opinião do leitor, em vez de impor uma narrativa. Isso permite uma reflexão maior”, afirma.

O projeto surgiu durante o doutorado em Letras na UFRJ. “Eu me perguntava se a arte pode ser política em uma tese. E com esse livro fica claro que sim”, reflete. O livro foi escrito entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017, período em que o autor estudou à exaustão os discursos taquigrafados dos deputados, para que o volume pudesse ser publicado no aniversário da Sessão 091. “É uma data importante. Por isso, o lançamento no Rio de Janeiro será em uma praça: para despertar o debate político”. O lançamento em São Paulo acontece no dia 29 de abril.

 

 

(1) Comentário

  1. Ótima ideia! Também vou começar a cortar arbitrariamente os discursos alheios, colocar pra cá e pra lá, chamar de “poesia” e vender a 35 reais. Viva a arte contemporânea.

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