As razões da inimizade
Morador do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, almoça em um restaurante na presença de policiais militares (Antonio Scorza/Shutterstock)
Políticas da inimizade, de Achille Mbembe, publicado na França em 2016 e no Brasil pela n-1 edições em 2020, é uma reflexão implacável acerca da constituição de uma “sociedade da inimizade”, que caracterizaria a nossa época. Já na introdução, o livro nos fala de sua aspereza, a qual nenhum som romântico de violino pode atenuar. Ao contrário, é como se a paisagem que é nossa contemporânea fosse atravessada pela “presença de um osso, de uma caveira ou de um esqueleto”, que sinalizaria, no limite, o “retorno da relação de inimizade a uma escala global”. Nessa perspectiva, nossa época é marcada pelo signo da guerra, consequência direta dos conflitos surgidos pelo processo de colonização. A colonização e o imperialismo desmascarariam o sonho das democracias liberais de fundar uma comunidade baseada na união e na associação entre os diferentes povos, de tal modo que caberia questionar se o Outro ainda seria o meu semelhante, ou ainda, de maneira mais radical, se repartiríamos, de fato, uma mesma “humanidade”. No centro de nossa vida cotidiana não estão, portanto, a paz e a harmonia, mas a guerra e a morte. Guerras de todo tipo, de conquista e ocupação, de extermínio e em especial as guerras coloniais, que reune num único movimento o sitiamento, a intrusão e o racismo.
No interior dessa questão, ou seja, a presença no cerne das culturas ditas civilizadas de um desejo de produzir inimigos, de cultivar inimizades e, com isso, legitimar as diversas formas de assassínio e extermínio, Mbembe apela para Freud, tomando p
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