As âncoras objetivas de Adília Lopes
A poeta Adília Lopes em 2017 (Foto Joana Dilão/ Reprodução)
Num poema em prosa sobre uma exposição da artista Armanda Duarte, a poetisa portuguesa Adília Lopes tecia alguns comentários que valem bastante para se pensar sua própria poesia. Ela dizia: “Penso que a obra de Armanda Duarte é ascética. É uma arte pobre. Parte de uma atenção do cotidiano. Precisa de uma âncora objetiva”. Este poema foi publicado em O namorado pobre, livro de 2007, incluído em Dobra, que reunia sua obra completa até aquele momento. Ela ainda dirá, um pouco mais adiante, o quanto há de laborioso cálculo para que essa âncora objetiva se torne quase invisível.
É a sensação que se tem ao ler seu novo livro, Manhã, que saiu agora em fevereiro, em Portugal, pela Assírio & Alvim. Nele, há poucos poemas em versos. Domina-o a prosa adiliana, em que a memória pessoal vai sendo filtrada por uma linguagem que se poderia chamar de “pobre”, no mesmo sentido em que a poeta usa este termo para falar dos artefatos de Armanda. Ou seja, uma linguagem que respira o ar do cotidiano, das coisas mais corriqueiras e simples, como uma menina que “aprende a tabuada e que brinca com bonecas como se fosse a coisa mais grave do mundo. É grave e leve”, ela diz. Ela cria em seu novo livro quase que pequenos quadros afetivos. É grave e leve.
Sua âncora objetiva é certamente a lembrança pessoal ativada muitas vezes por objetos, por situações e também por palavras e atos falhos (que em Portugal se diz “actos falhados”, como conta a poeta em um dos poemas). Essa materialidade, mesmo a das palavras e das que se confundem na pr
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