Arabescas

Arabescas
Zyriab…Uma Outra História, de Houria Niati

Frances Lloyd

Artistas árabes mulheres vêm ganhando visibilidade substancial desde o início dos anos 1990 como parte de um mundo de artes cada vez mais globalizado e em rede.

Chama atenção o fato de que, nas geografias sociopolíticas imensamente distintas do Oriente Médio, norte da África e das diásporas árabes, a fértil gama de práticas artísticas de artistas árabes mulheres ter desafiado as monolíticas e estereotipadas representações de mulheres árabes dominantes na mídia. Essas mulheres são frequentemente retratadas como figuras passivas e anônimas, distantes da esfera da produção cultural e de suas histórias.

Uma indicação das práticas artísticas diversas que compõem esse poderoso corpus de trabalho pode ser obtida com uma revisão breve do trabalho de artistas árabes mulheres que vivem e trabalham no Reino Unido.

A maioria das artistas árabes de lá mudou-se para Londres entre o fim dos anos 1970 e meados da década de 1990, principalmente em decorrência do exílio voluntário ou involuntário causado pela guerra. No caso de algumas delas, as razões foram profissionais. Abrangem pelo menos quatro gerações.

As gravuras em grande escala em silkscreen de Laila Shawa Children of Peace (Filhos da Paz) e Children of War (Filhos da Guerra), da série The Walls of Gaza (Os Muros de Gaza), iniciada em 1992, constituem imagens poderosas que destacam os efeitos de longo alcance da guerra sobre gerações de crianças palestinas.

Usando a linguagem visual gerada pela mídia e associada à pop art americana, a imagem repetida em silkscreen de um garoto sobre uma superfície fortemente colorida apresenta um ciclo interminável de vítima e agressor.

No pano de fundo há fotos feitas por Shawa ao longo de vários anos de pichações feitas nos muros de Gaza, uma forma de comunicação posicionada de maneira diferente.

A instalação de Houria Niati Ziriab… Another Story (Ziriab… Outra História, 1998) – série de pinturas sobre rolos de papel pendurados, um mosaico de desenhos no chão, uma montagem de parede, ao lado do texto das canções Ziriab de Hiati – reúne formas e motivos informados pela arte e arquitetura europeias e árabes.

Homenagem a Ziriab Iba Nafi, compositor do Oriente Médio que viveu exilado em Córdoba, na Espanha (então parte do Império Árabe-Islâmico) no século 9, a instalação aponta diretamente para outras histórias da cultura árabe e para gêneros de música e canção que viajaram para a Argélia e sobreviveram à colonização, à guerra e às restrições impostas pelo fundamentalismo islâmico no fim dos anos 1990.

Em comparação com ela, a instalação Current Disturbance (Perturbação Atual, 1996), de Mona Hatoum, consiste em uma série de gaiolas metálicas empilhadas, equipadas com lâmpadas e com o som amplificado de correntes elétricas, que ganham vida em intervalos irregulares, evocando sensações viscerais de vigilância e aprisionamento.

As questões que cercam as representações monolíticas de mulheres árabes são tratadas também pelo trabalho de base fotográfica de Jananne Al-Ani e Zineb Sedira. As primeiras instalações fotográficas e trabalhos em vídeo de Al-Ani representam suas três irmãs, ela própria e sua mãe, todas tendo se mudado para o Reino Unido em 1980, vindas do Iraque, onde Al-Ani nasceu e foi criada.

Em suas grandes fotos em preto e branco de meados dos anos 1990, Untitled (Veiling Project) (Sem Título, Projeto de Velar), o olhar direto da fileira de cinco mulheres sentadas é mostrado em vários estágios de colocação do véu, retirada do véu ou retirada da roupa, buscando ao mesmo tempo ressaltar e desestabilizar os códigos que categorizam e fixam identidades culturais.

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O trabalho de Sedira nos anos 1990 explorou questões complexas de identidade, percepção e experiência por meio de uma performance do eu que se inspira em seus múltiplos pertencimentos, como filha de imigrantes argelinos nascida em Paris no pósguerra da Argélia. Suas instalações subsequentes em vídeo e filme, como Middlesea e Floating Coffins (Féretros Flutuantes), aludem a temas de migração, tempo e perdas.

As obras de Nashabibi também rejeitam as oposições binárias de Oriente e Ocidente e exploram a complexidade de posicionamentos múltiplos e mutantes, por meio de curtas-metragens que deslocam as percepções de diferença. Dahiet Al Bareed (District of the Post Office, Distrito da Agência dos Correios, 2003), por exemplo, capta as tensões de uma terra de ninguém, perto de uma barreira israelense nos arredores de Jerusalém, através do olhar oblíquo do bairro palestino.

Todas essas artistas operam em um mercado global de arte marcado, nos últimos anos, pela rápida ascensão de mais de 70 bienais internacionais, entre elas a do Cairo, inaugurada em 1999, e a mais recente Bienal Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, que se encontra em seu décimo ano de funcionamento.

De um lado, em meio às turbulentas transformações políticas no mundo árabe, estamos assistindo a um interesse crescente pelo trabalho produzido por artistas árabes contemporâneas. Mas, por outro, estamos testemunhando um interesse crescente pela necessidade de apoiar e ampliar a infraestrutura para a educação artística, o intercâmbio artístico e a produção artística, em particular no Oriente Médio.

Um instantâneo de iniciativas importantes lançadas nos últimos anos mostra a diversidade dessas iniciativas. Em 2008, por exemplo, a exposição Breaking the Veil: Women Artists from the Islamic World (Rasgando o Véu: Artistas Mulheres do Mundo Islâmico), com 51 artistas mulheres de 21 países – incluindo Turquia, Paquistão, Indonésia e Iraque –, iniciou seu giro de três anos pelos Estados Unidos, depois de percorrer 16 cidades europeias e a Austrália.

A princesa Wijdan Ali, a força motriz dessa exposição, é fundadora da Real Sociedade de Belas Artes e da Galeria Nacional da Jordânia. Primeira mulher a ingressar no Ministério de Assuntos Exteriores da Jordânia, em 1962, ela foi também a primeira delegada mulher a representar a Jordânia em reuniões das Nações Unidas e a primeira diplomata do sexo feminino na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Em 2001, ela concebeu a exposição com Aliki Moschis-Gauguet, presidente da Rede Pan-Mediterrânea de Artistas Mulheres, como maneira de promover o respeito mútuo e a tolerância, combatendo o retrato dominante feito na mídia de mulheres árabes como figuras veladas e oprimidas, e de ajudar a construir uma cultura de paz e não violência.

No âmbito comercial, a Art Dubai, fundada em 2007, tornou-se a maior feira para a compra de arte árabe e, em 2008, criou o Prêmio Capital de Arte Abraaj como o único prêmio de arte voltado especificamente às regiões do Oriente Médio, norte da África e sul da Ásia.

Jananne Al-Ani foi uma das cinco artistas que receberam em 2010 o prêmio para produzir novas obras para a Art Dubai, exibidas em março passado.

Já o projeto Art School Palestine é uma organização sem fins lucrativos fundada em 2005 por um grupo de profissionais de arte, curadores e artistas residentes nos territórios palestinos e em Londres para promover e apoiar a arte palestina e árabe contemporânea. Ele inclui um programa de intercâmbio e de artista residente, novas produções e exposições de arte, e a criação de um arquivo de arte contemporânea e banco de dados cultural (www.artschoolpalestine.com).

Diáspora da arte árabe em Londres

  • Laila Shawa (nascida em Gaza, em1940, durante o mandato britânico): pintora, estudou
    no Cairo e em Roma
  • Houria Niati (nascida em 1948 na Argélia sob ocupação francesa): artista plástica e cantora, radicou-se em Londres em 1977
  • Mona Hatoum (nascida em 1952 em Beirute, filha de pais palestinos exilados)
  • Jananne Al-Ani (Iraque, 1966) e Zineb Sedira (Paris, 1963): ambas estudaram em Londres na década de 1990
  • Rosalind Nashashibi (Reino Unido, 1973): de ascendência palestina. Artista visual, estudou na Escola de Arte de Glasgow


Frances Lloyd
é professora na Universidade Kingston, em Londres

(4) Comentários

  1. Um dos melhores trabalhos já editados sobre o mundo árabe.A Cult mostrou que tem fôlego, parabéns.

  2. O ser humano. Temos sido vítimas de nós mesmos, sequestrados, esmagados, tripudiados, machucados, anulados, os adjetivos poderiam formar uma cadeia artística do iníquo modo de ver com que o ser humano pode chegar a ver a si mesmo e ao próximo. Mas em todo lugar em ambiente, sempre há de florescer algo que é tão sublime e belo que está acima de toda a desgraça e seu oposto é a GRAÇA, que então faz surgir algo que encanta, traz um novo horizonte de vida e expressões surgem em corações ardentes por uma beleza que transcende a tudo. E então ela floresce e surgindo faz fecundar no próximo esta mesma beleza. Um chamado a vida continua ecoando…

  3. A Heber Zenun:
    Se mais pessoas pensassem como você, se mais de nós vissem o florescer, estaríamos em um mundo melhor!

  4. A arte escapa da alma de alguns seres humanos assim como o suco dos tomates lhes escapa da própria esmagadura.
    Se é bela, se é saborosa, se é útil, saberão os que puderem e ousarem provar o seu sabor.

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