Alice Walker diz que o governo Obama foi ‘um desastre’
Alice Walker tem a voz supreendentemente suave para o discurso incisivo com que recebe o interlocutor. Em todo o mundo, ela é a conhecida autora negra, nascida em 1944 no sul dos EUA, que venceu a pobreza com bolsas de estudo e escreveu A Cor Púrpura (José Olympio, 1982), livro sobre racismo e superação.
A obra lhe rendeu prêmios importantes, como o Pulitzer e o National Book Award, e foi adaptada por Steven Spielberg para o cinema – o filme foi indicado a 11 Oscars e ficou sem nenhum, frustração que só ampliou sua ressonância.
Os brasileiros podem tê-la perdido um pouco de vista desde então, mas sua trajetória prosseguiu com a publicação de mais de três dezenas de livros de ficção, poesia e ensaios, a criação de uma editora militante, a Wild Trees Press, e uma atuação por vezes ruidosa pelos direitos civis – chegou a ser presa, mas logo solta, por protestar contra a atuação americana na Faixa de Gaza em 2003.
“Nada, entre prêmios e fama, é mais importante do que o que sinto e quero dizer em defesa das minorias em todo o mundo”, explica à CULT, por telefone.
A princípio protocolar, por fim cálida, a senhora Walker quer saber no fim da conversa quantas horas durará a viagem de avião que a traz em abril ao Brasil pela primeira vez. A autora lança Rompendo o Silêncio – Uma Poeta Diante do Horror em Ruanda, no Congo Oriental e na Palestina/Israel (Bertrand Brasil) durante a 1ª Bienal de Brasília.
No livro, que combina um pouco de história e muitos depoimentos, conta como sobrevivem habitantes de regiões da África e do Oriente Médio que visitou entre 2006 e 2009. Durante o evento, vai tratar de um dos temas que lhe são mais caros: o narrador e o personagem afro-americanos como parte da consciência histórica é o tema da palestra às 18h do dia 20. Mais informações em www.bienalbrasildolivro.com.br.
CULT – O que mudou desde a década de 1960, quando iniciou sua trajetória como eloquente ativista em defesa dos direitos de negros e mulheres?
Alice Walker – Quando eu era estudante, os negros ainda lutavam para ter direito a voto no sul dos Estados Unidos. Sem dúvida houve avanço no que se refere à igualdade de negros e mulheres, porém é uma condição que só se alcança à medida que se tem dinheiro e educação. Para quem é pobre e não teve como estudar, a situação ainda é muito ruim. Em todo o mundo.
Nos Estados Unidos também?
Sim, as pessoas já se deram conta do quanto os Estados Unidos conseguem ser tão pouco democráticos. O movimento Occupy Wall Street é uma reação a esse quadro de desigualdade, é uma mobilização por reformas.
A senhora faz parte dos americanos que se decepcionaram com o governo Obama?
Foi um desastre. Veja como ele reagiu à crise do país e às guerras lá fora! O que fez o governo? Aumentou os impostos. Mas em vez de usar dinheiro para saúde e educação, reabilitou bancos e investiu em guerras. Os banqueiros, que eram responsáveis pela crise, são agora também parte do corpo administrativo do país.
No Afeganistão, a situação continua sem se resolver, o que não é difícil de entender, dada a posição estratégica numa região com tanto petróleo. Isso não só é desmoralizante para os EUA como põe o país em grande risco.
Rompendo o Silêncio é o resultado de visitas que fez para testemunhar situações de pobreza, dor, opressão e desespero em regiões da África e do Oriente Médio. Acredita no poder de uma obra para provocar mobilização?
Fiz o livro em um formato curto, rápido de ler, para que funcionasse quase como panfleto. A maioria das pessoas não vê o que eu vi. Fui testemunha de situações de vida que costumam estar fora das lentes da grande mídia e, principalmente, dos governos.
Acho importante que se saiba o que está acontecendo, como a violência e o sofrimento se apresentam em todas as partes. Sobretudo é preciso que entendam como as coisas chegaram até onde chegaram.
A senhora se refere ao processo histórico que levou grandes impérios a colonizar regiões da África e do Oriente Médio e, como diz no livro, tornou inimigos grupos que antes conviviam pacificamente, como é o caso de hutus e tutsis em Ruanda?
A história é a mesma sempre, não? No Brasil também houve a experiência da colonização. Era preciso roubar sua riqueza e fazê-los trabalhar.
O que não se percebe é como isso continua a acontecer. Não é possível libertar-se de situações de opressão se você não sabe qual é sua história, se não entende por que está nisso, se não reconhece como os opressores são mais fortes do que você porque têm não apenas mais armas, mas mais crueldade também.
Em 2003, a senhora chegou a ser presa por protestar na Casa Branca contra a atuação americana em Gaza. Pode contar sobre essa experiência? Além de sua prisão, o protesto levou a alguma reação do governo?
O que posso dizer da experiência? É a experiência de ser presa. Estávamos eu e um grupo de mulheres. Fiz o que podia fazer, que é protestar. Mas o governo não se importou. Basicamente nos ignoraram. Na semana seguinte, realizaram outra investida bélica.
A certa altura do livro, a senhora conta que diante de tantas cenas de dor e desespero foi preciso buscar conforto nas religiões orientais. Como funcionou essa conexão com a espiritualidade?
Era crucial ter esse tipo de ajuda. Faz tempo que estudo o taoísmo e o budismo. Não sou praticante, mas acredito que ajudam a nos fortalecer e, principalmente, a nos dar coragem para evitar a imobilização, para agir. As adversidades são tantas e tão pungentes que é quase impossível se manter ativo sem alguma conexão espiritual, sobretudo crianças e mulheres, que são particularmente vulneráveis.
A senhora mantém um blog bastante ativo. Como usa esse espaço para ter notícias e divulgá-las?
É um blog mais artístico que ativista. Publico ali relatos do que vejo, a maioria sob a forma de poemas.
Tem notícias das pessoas que encontrou e que cita no livro?
De algumas, ainda tenho, sim. Não é muito fácil para elas ter acesso a meios de comunicação, como a internet, por exemplo.
O que pensa em fazer em sua primeira visita ao Brasil?
Vou visitar Brasília. Pelo que me disseram, é uma parte do Brasil que se parece pouco com o próprio Brasil, não? Gostaria de visitar lugares como a Bahia. Um dia espero conhecer mais a fundo o país, para entender como é esse espírito brasileiro, que, pelo que entendi, tem a ver com uma habilidade para aceitar a vida, manter a coragem.
(2) Comentários
Ideal,uma boa leitura.
Eu diria não um desastre, mas uma decepção, mesmo que já esperada. O governo Obama continuou muitas das políticas do governo Bush, dos governos anteriores e basicamente de toda a tradicional política americana, como o apoio incondicional a Israel e a manutenção das tropas militares no Afeganistão. Tantos anos agindo assim, desde a Guerra do Vietnã do governo Nixon, passando pelo governo Reagan que apoiou e financiou grupos guerrilheiros de direita na América Latina até a Guerra do Golfo do governo Bush pai os americanos se acostumaram e se viciaram com essa visão de mundo intervencionista e é praticamente impossível para qualquer político hoje em dia tentar mudar essa mentalidade americana, e é isso que aconteceu com o governo Obama até então. Em palavras miúdas, covardia. Todos esperavam que o Barack Obama fosse mais ousado e original.