‘Escrever é remexer a vida e às vezes imaginar outra’, diz Alejandro Zambra
O escritor chileno Alejandro Zambra (Foto: Divulgação)
Em Múltipla escolha, seu mais recente livro publicado no Brasil, autor chileno mostra a ‘libertadora e terrível’ descoberta de que nunca há apenas uma resposta possível
“Creio que este é um livro sobre a ilusão de uma resposta”. Assim o escritor chileno Alejandro Zambra define Múltipla escolha, originalmente publicado em 2014 e lançado no fim de março no Brasil pela Tusquets. O livro reflete sobre memória, educação, relacionamentos, instituições políticas e desigualdade utilizando o formato da Prova de Aptidão Verbal, aplicada no Chile entre 1966 e 2002 como forma de avaliação das universidades do país.
Sem se prender inteiramente a uma estrutura poética, romanesca ou escolar, Zambra cria uma narrativa em que convoca o leitor a escolher, entre múltiplas opções, o complemento para uma história proposta por ele. Às vezes invertendo o sentido da narração, às vezes sem alterá-la em nada, as escolhas são sobre a descoberta, “libertadora e terrível”, de que nunca há apenas uma resposta possível.
“Eu me preguntava do que a linguagem está carregada ao escrever o livro. Quais são as palavras que amamos e as que odiamos. Quais amamos e mesmo assim não podemos dizer e quais odiamos e mesmo assim devemos dizer”, conta Zambra que, aos 42 anos, é considerado um dos principais escritores latino-americanos contemporâneos. No Brasil, publicou Bonsai (2012), A vida privada das árvores (2013), Formas de voltar para casa (2014) e Meus documentos (2015) pela Cosac Naify. Leia trechos de sua conversa por e-mail com a CULT.
CULT – Ao longo de ‘Múltipla escolha’, você evidencia uma crítica ao sistema educacional chileno. Este foi um dos seus objetivos ao escolher o formato da Prova de Aptidão Verbal para sua narrativa?
Alejandro Zambra – Há uma crítica, claro que sim, e muito forte, mas também é uma autocrítica. Não me interessa tanto a crítica como a autocrítica. Eu sou professor, fui criado nesse sistema. Estava escrevendo, na verdade, um relato mais convencional, uma espécie de novela sobre 1993, o ano em que fiz a prova. Porém não estava gostando dessa novela, sentia que era algo que já havia escrito. Então uma noite, um pouco frustrado, me lembrei da prova de aptidão e comecei a brincar com seu formato. No começo foi divertido, como imitar as vozes das pessoas, mas logo me dei conta de que também imitava minha própria voz. Isso me interessou e segui escrevendo, sempre como uma brincadeira, até que de repente entendi que esse era o livro. A paródia e a autoparódia, a crítica e a autocrítica, o humor e a dor, o riso e o pranto.
Ao utilizar o formato da prova, em que o leitor tem diversas opções para completar e interpretar o livro, você parece inaugurar um movimento duplo: testa as possibilidades de significação da palavra ao mesmo tempo em que erige uma única opção arbitrária. Como se deu esse movimento em seu processo de escrita?
Sim, me interessavam todos esses movimentos da autoridade. A ilusão de uma resposta, por exemplo. Creio que este é um livro sobre a ilusão de uma resposta. Nos ensinaram isso, que havia uma resposta única, e logo descobrimos que haviam muitas e isso às vezes foi libertador e outras vezes foi terrível. Quem sabe algumas vezes nós também quisemos que houvesse uma resposta única. Uma resposta chamada Deus, por exemplo.
Sua literatura parece fazer alusão a períodos anteriores ou posteriores a um grande conflito. Esta é uma influência do contexto político chileno, em que você viveu uma ditadura?
Sim. Sou tremendamente, profundamente chileno. Não tenho outra experiência. Às vezes escrever é remexer na sua vida, às vezes escrever é imaginar outra vida. Às vezes é as duas coisas ao mesmo tempo. E me interessa muito essa distância entre o pessoal e o coletivo. O eu e o nós. Creio que se tem que reconstruir, ou ao menos tentar reconstruir, o coletivo. E a literatura, a arte serve para isso. Escrever é despertar, é descobrir, é refazer.
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