Adeus a João da Penha

Adeus a João da Penha
O jornalista e tradutor João da Penha (Foto: Arquivo pessoal)

 

Sem temor de cair no chavão, não hesito em afirmar que a morte do jornalista e filósofo João da Penha ocorrida na última terça-feira (14/04), em Teresópolis, deixou mais pobre o panorama cultural brasileiro, tão necessitado, nesses tempos de intolerância, de uma voz com a força moral e intelectual como a sua. João tinha 73 anos e sofreu um AVC.

Nascido em João Pessoa (PB), João da Penha veio para o Rio ainda criança. Estreou no jornalismo em agosto de 1972, no jornal carioca Tribuna da Imprensa, onde editou, por oito anos, o Suplemento Literário. Passou também pelas redações do Diário Carioca, da Revista Leitura e da Última Hora, onde colaborou como crítico.

Em sua militância política, aproximou-se do Partido Comunista Brasileiro, cuja influência carregou pelo resto da vida. Foi fiel, até o fim, aos seus ideais dos verdes anos da juventude: João se orgulhava por ter sido um dos principais articulistas da revista Encontros com a Civilização Brasileira, importante trincheira de combate à ditadura. A sua atuação política rendeu-lhe problemas com o regime — foi perseguido pelos militares e submetido à violência da ditadura.

Em suas incursões pelas veredas da literatura, foi tradutor de poetas russos como Aleksándr Blok, Anna Akhmátova, Serguei Iessiênin e Marina Tzvietáieva, paixões que passou adiante para os mais jovens, como eu. Não só deu voz aos poetas, enquanto tradutor, como também os inspirou: foi personagem dos versos de Affonso Romano de Sant’anna e de Jomard Muniz de Britto.

Na Cult, publicou os ensaios “Atualidade e permanência de Sartre”, “De corpo e alma”, “Sartre e o marxismo” e “O filósofo e o detetive”, este último a respeito Wittgenstein, sobre quem escreveu dois livros. Deixou, ainda, as obras “O que é existencialismo?” (Brasiliense) e “Períodos Filosóficos” (Ática), além de um inédito sobre Sartre e o marxismo, a ser publicado em breve.

Fomos amigos por anos. E não titubeio em dizer que João foi uma das pessoas mais importantes para a minha formação — apresentou-me a grandes escritores, deixou à minha disposição a riquíssima biblioteca que cultivou por uma vida e, mais que tudo, foi generoso diante do vendaval de dúvidas e questionamentos que me atravessaram na adolescência. A esse respeito, certa vez deixou escapar que via em mim a curiosidade e a ousadia dele próprio quando em minha idade. Sou grato.

Em poucas palavras, João foi homem de partido e de profunda devoção ao domínio do saber. Ainda emocionado pela perda do amigo, não poderia deixar de registrar essas linhas, permeadas, desde já, pelo intraduzível sentimento de saudade.

André Rosa, 25 anos,  é escritor e tradutor no Rio de Janeiro.

 


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