A dor e o aprendizado da finitude
Wilker Sousa
“A aprendizagem – que nos alarga o entendimento, que nos torna seres compassivos, em comunhão com os demais –, muitas vezes só se dá por meio das perdas.” Nesta frase, o escritor paulista João Carrascoza parece focalizar o tema central de Espinhos e Alfinetes, seu quinto livro de contos. Nas onze narrativas, Carrascoza se debruça sobre a experiência da perda ao construir personagens que, a partir do amargo confronto com a finitude, alargam suas percepções diante do mundo e da vida.
O tema da infância se faz presente como alegoria da inocência e do encantamento posteriormente rarefeitos no decurso da vida. Rarefeitos, porém não extintos. “O olhar é de esperança, de valorização dos momentos que, embora comuns, podem, de súbito, trazer-lhes novamente o selo do encantamento”, afirma o autor. Na entrevista a seguir, Carrascoza fala à CULT sobre Espinhos e Alfinetes e comenta questões temáticas e estilísticas que perpassam sua obra.
CULT – O ponto de partida dos narradores de Espinhos e Alfinetes é a infância, período em geral associado ao encantamento do mundo. No decorrer de suas vidas, porém, os personagens perdem o encanto pela vida. Na sua opinião, a literatura é capaz de refazer esse vínculo perdido?
João Carrascoza – A literatura, como ação sublimadora, pode reencantar tanto aquele que conta uma história quanto aquele que a lê. Neste livro, retificando a sua pergunta, penso que os personagens não perderam inteiramente o encanto pela vida, ou pelo mundo. Todos estão passando por um momento de perda, de confronto diante de sua finitude. Mas seu olhar é de esperança, de valorização dos momentos que, embora comuns, podem, de súbito, trazer-lhes novamente o selo do encantamento.
CULT – A experiência da perda perpassa todo o livro. Acerca do tema, você declarou: “Quando perdemos alguém, damos também adeus a quem fomos”. A despeito do inegável sofrimento, a perda também pode ser vista como positiva na medida em que pode nos levar a conhecer forças que até então desconhecíamos possuir?
Carrascoza – Sim, a medida do nosso poder está na capacidade de aceitarmos as perdas que vamos colecionando, dia-a-dia, em nossa breve jornada. A aprendizagem – que nos alarga o entendimento, que nos torna seres compassivos, em comunhão com os demais –, muitas vezes só se dá por meio das perdas. Com elas, felizmente ou não, ganhamos uma compreensão que talvez não alcançássemos de outra maneira. Crescer é dar à dor a sua devida dimensão, assim como a qualquer outro fato de nossa existência.
CULT – As relações familiares são uma constante em sua obra. Gostaria que você comentasse a respeito dessa predileção.
Carrascoza – Cada escritor tem as suas obsessões e os seus limites. Somos o que somos, não o que gostaríamos de ser. E o que somos nos limita o olhar, embora também possa nos ampliar como pessoas. Interessam-me as relações íntimas entre as pessoas, o pequeno grande mundo que as une, o oceano que há entre duas criaturas, frente a frente. E, para mim, essas relações se dão, invariavelmente, no âmbito das famílias, locus de todas as dores e de todos os amores.
CULT – A linguagem dos contos é ora cadenciada (com pontos finais e parágrafos), ora vertiginosa (sem essas marcas textuais). Como se dá a escolha da forma no que se refere à exigência do conteúdo?
Carrascoza – Cada história pede para ser contada de um jeito. Para isso, procuro o tom que seja o mais verdadeiro (segundo o meu sentimento), procuro a pele, ou a casca, em função de seu miolo. A água se amolda ao vaso que a contém, mas é preciso encontrar o vaso que a acolha como se tivesse nascido para ela.
CULT – Para além dos diálogos, você estende a força da comunicação aos gestos e às sensações dos personagens como ocorre, por exemplo, no conto “Poente”. Tal procedimento denuncia a falibilidade da palavra enquanto principal meio da comunicação humana?
Carrascoza – Por vezes, a palavra não diz o que desejamos dizer. Para isso, há as outras formas de comunicação operando em simultâneo para tentarmos dizer até mesmo aquilo que nem sabemos o que é. Precisamos, em certos momentos, aumentar o volume do silêncio para descobrir onde erramos. Quando estamos num carro e erramos o caminho, imediatamente desligamos o rádio. A primeira pessoa que devemos ouvir é nós mesmos.
CULT – Na condição de escritor, como você lida com essa falibilidade?
Carrascoza – Com humildade. Saber que somos falíveis, que a linguagem nem sempre nos salva, ensina-nos a amar o outro, que é tão imperfeito quanto nós.
Trecho do conto “Poente” |
(…) Sabiam, a vida se vivia aos trechos. E para se inteirar dela cada um tinha de conquistar regiões no outro ou entregar as suas. Mas havia a retirada. O perigo de ser só alegria já passara – era sempre efêmero. Agora fluiriam os dias doloridos, e não haveria como deter o seu derrame. Ele prosseguiu, Vai ser melhor pra todos. A mulher segurou nos olhos as águas novas, que vinham, ferventes. Disse, Como vamos fazer? O homem respondeu, Amanhã eu saio de casa. Alugo uma quitinete. Ela, E as coisas? Ele, Dividimos depois. Temos tão pouco… Ela, Antes, ao menos tínhamos um ao outro. Ele, Nem isso temos mais. (…) |
Espinhos e Alfinetes
João Anzanello Carrascoza
Record
112 págs. – R$ 34,90
(9) Comentários
Deixe o seu comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.
Gosto do tema Finitude! Talvez, bem pensado, seja o único tema da arte. Defino a existência como um supremo esforço de “sim” frente ao maiúsculo e absoluto “Não!”.
Gosto do tema finitude, até por que o ser humano no geral não aceita o fim seja do que for, a menos que o ato de finilizar parta dele.
Carrascoza sempre me impressionou enquanto um esteta da finitude. A maioria de seus contos avorda exatamente a finitude de uma fase, a finitude de um projeto, mas ao mesmo tempo, o alvorecer de uma outra perspectiva ante a vida.
Me interessei muito pela obra. Revista Cult, como sempre, abrindo meus horizontes.
Carrascoza encerrou sabiamente quando falou que a forma de lidar com a falibilidade é por meio da humildade. É essa a maior lição a ser aprendida, a mais dolorosa, estou convicto.
Sempre fico melancólico ante ao tema finitude. Sem dúvida o tempo passa para todos. Que saudade dos meus…..acabaram!!!
Finitude…fim, sempre engendrando um novo começo. Poucos sao os absolutos. Nao conheco o autor, mas fiquei curiosissima… Falas criticas e lúcidas, poéticas e inspiradoras!
É… o tempo passa e as vezes não temos a oportunidade de voltar e fazer tudo ser diferente!!!Que saudade dos meus!!!!Só não acabaram pq não consigo parar de pensar nos dias que passaram…
Vou ler “espinhos e alfinetes”.
Interessou-me o tema.
Vânia