A canção de Anna Karina

A canção de Anna Karina
Anna Karina no Jardim do Luxemburgo, em Paris, 1988 (Foto: Jean Marie Leroy/Sygma)

 

A carreira multifacetada de um dos maiores expoentes do movimento cinematográfico francês da década de 1960 traçou novos caminhos em 1967, quando protagonizou com seu carisma e potentes cordas vocais o musical “Anna” – apesar de ser Hanne Karin de nascimento -, escrito pelo ícone da música francesa Serge Gainsbourg.

A partir daí, a Anna Karina, que viria a ser conhecida em Alphaville (1965), O Demônio das onze horas (1965), Made in USA (1966), A religiosa (1966) e tantos outros marcos do cinema, revelou um talento além das telas. “Anna” transformou as canções “Sous le soleil exactement” e “Roller Girl” em grandes hits em um período em que as cantoras Jane Birkin, France Gall, Françoise Hardy e Sylvie Vartan embalavam o público ouvinte do yé-yé.

Em homenagem a um dos símbolos máximos do cinema francês, o BIFF – Festival Internacional de Cinema de Brasília traz a atriz e cantora para, além das palestras e mostra dedicada a sua carreira cinematográfica, abrir o evento com uma apresentação musical.

Anna Karina, aos 71 anos, fala à CULT por telefone sobre sua trajetória e paixão pela música:

CULT – A música sempre foi uma paixão sua? Quando percebeu que queria trabalhar com isso?

Anna Karina – Sim, sempre foi, desde pequena eu sonhava em fazer um musical. Parece que sempre estive preparada para fazer um. Gostava muito de cantar e estava realmente focada nisso. Tive a oportunidade de desenvolver esse lado musical e isso foi como realizar um sonho.

Como foi a experiência de cantar e contracenar com Serge Gainsbourg e como foram as adaptações musicais pro filme Anna (1967)?

Foi uma experiência ótima trabalhar com Serge. Conheci o Serge antes dele se tornar “Gainsbourg”, entende? Ele era uma pessoa muito correta, simpática, inteligente, engraçada e extremamente intrigante. Quando eu o conheci, não era a mesma pessoa que ele acabou se tornando posteriormente, porque ele se tornou extremamente arrogante e cínico… Engraçado, sim, claro, ele ainda era um gênio, mas era estranho o ver virar essa pessoa arrogante quando eu o conheci sendo muito educado e doce.

Não era mais a mesma pessoa. Mas isso não tirou dele o talento que ele tinha, a grandiosidade da sua obra. Era uma pessoa única. Tudo o que eu posso dizer é que me pediram para fazer o papel e eu fiquei extremamente surpresa. Mas eu era uma cantora jovem, tão jovem quando Sylvie Vartan, Françoise Hardy e muitas outras.

Eu não sei exatamente os motivos para terem me escolhido.  Eu não conhecia o diretor (Pierre Koralnik), eu não conhecia Serge Gainsbourg, na época. Eu não pedi por nada disso. Eles tinham me visto em outros filmes, pois eu já havia cantado no cinema anteriormente. Eu vim me perguntando há muitos anos sobre os motivos por ter sido escolhida. Eu nunca soube.  E fiquei muito feliz com o título, inclusive, Anna. Achei muito intrigante. Foi realmente maravilhoso.

Quais foram os seus primeiros passos na carreira musical?

Me fizeram uma proposta para gravar umas músicas e cantar em festivais, pois eu já havia cantado no cinema diversas vezes, mas me achava muito velha… E isso foi há 12 anos. Então eu disse “ok”, mas pensava “não vai acontecer”. Por fim, fui apresentada para Philippe Katerine e a primeira coisa que pensei foi “ele é muito jovem”.

Acabei encontrando-o num jantar e achei que ele não estivesse interessado, pois estava devorando um prato de comida e não parecia prestar muito a atenção no assunto. Na manhã do dia seguinte ele me liga dizendo “eu escrevi uma música para você, poderia vir para começarmos os ensaios?”.  Eu aceitei, claro. Três meses depois ele já tinha escrito 15 músicas. Fizemos três concertos até a Universal Music falar “ok, gravaremos o álbum, então vocês farão uma grande turnê pela Europa”.

Em oito anos já tínhamos ido para o Japão,  para o Canadá,  Espanha, por toda a França, viajado pela Europa inteira… E em todas as vezes passavam os filmes que participei junto com os concertos. Eram festivais de música e cinema. E agora, Philipe Katrine é um grande amigo meu, faz mais de 12 anos, afinal, que eu o conheço. Foi tudo muito inusitado e tomou proporções muito maiores do que as que eu esperava na época.

Você escreveu, dirigiu e estrelou o musical Victoria (2008), último trabalho no cinema. De onde veio a ideia desse projeto? Era um desejo antigo?

Eu fiz esse filme com um orçamento muito baixo. Quando fui para o Canadá, conheci uma produtora que me disse: “Anna, eu gostaria que você produzisse um filme, mas terá que ser no Canadá. Eu não tenho muito dinheiro, então você vai ter de se virar com pouco”.  Eu aceitei, disse que não era um problema. Eu escrevi o roteiro com Phillipe Katrine, por fim, também com ajuda de outro amigo meu.

Então me falaram que não era possível, não podia trazer muitos franceses para fazer o filme, a logística era muito complicada para o orçamento que tínhamos em mãos. Não podia trazer muitas pessoas da França, teria que usar mais os profissionais canadenses.  Mas foi uma experiência ótima trabalhar com um filme independente como este. Tudo correu bem, todos receberam, então…

Foi uma experiência parecida com Vivre ensemble, primeiro filme que dirigiu?

Sim, de certa forma foi. As condições foram parecidas, mas a repercussão foi muito diferente. Eu fiz esse filme em 1972, que acabou saindo em 1973 e foi selecionado para o Festival de Cannes. Foi há muito tempo, mas foi também uma experiência impressionante.

Quais são as suas impressões do Brasil? Existe alguma expectativa para o Festival?

Eu gosto muito do Brasil, já fui antes para o Rio de Janeiro, mas isso já faz dez anos. Foi fantástico! Todos, na França, adoramos o Brasil, todos querem ir pra lá, mas a passagem é realmente cara. Para mim é um imenso prazer ir para Brasília, receber esse convite e participar do Festival. Vai ser a minha primeira vez lá. Para entender mesmo o Brasil, é preciso estar lá, conviver com os brasileiros.

Confira mais informações sobre o BIFF no portal: www.biffestival.com

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