Roberta Estrela D’Alva: Slam é sobre vozes que são ouvidas
Roberta Estrela D'Alva: a poesia também pode ser uma prática popular e festiva (Foto: Marcus Steinmeyer/ Divulgação)
Três minutos para apresentar um texto de autoria própria usando apenas voz e corpo, sem adereços cênicos. São essas as regras básicas de uma competição de poesia falada, o slam, movimento criado por Marc Smith em 1987, nos Estados Unidos, e trazido ao Brasil em 2008 por Roberta Estrela D’Alva e pelo coletivo teatral Núcleo Bartolomeu de Depoimentos.
De lá pra cá, o gênero tem crescido a passos largos no país, afirma a atriz-MC e slammer. Com um campeonato nacional disputado anualmente em São Paulo, o slam brasileiro se multiplica em grupos diversos por todo o território nacional.
“O estabelecimento dos slams nas ruas colaborou para a sua rápida proliferação por aqui, já que para que o evento aconteça não há necessidade de nada além de um pequeno grupo de pessoas para dizer e escutar poesia”, afirma D’Alva.
No Brasil, o movimento é bastante ligado ao espaço público, diferentemente de outros países, como a Inglaterra, onde os torneios geralmente acontecem em cafés e clubes. Embora a pandemia tenha interrompido os encontros nas ruas e praças, slammers seguem se apresentando nas plataformas digitais.
Neste sábado (20) e domingo (21), por exemplo, acontece a primeira competição de poesia falada do Cultura Inglesa Festival, com curadoria de Roberta Estrela D’Alva. Online, a disputa será dividida em duas categorias, português e inglês, e terá, entre os participantes, slammers novatos e experientes.
Até 28/03, o festival exibe ainda um talk de Roberta Estrela D’Alva sobre o que é o slam, uma masterclass com a poeta e slammer britânica Joelle Taylor e uma oficina com Emerson Alcade, fundador do primeiro slam de rua brasileiro, o Slam da Guilhermina.
Abaixo, Estrela D’Alva responde a cinco perguntas sobre a prática que, além de um acontecimento poético, é também um movimento social, cultural e artístico.
Cult – Longe da rua, na pandemia, o slam BR tem persistido nos meios digitais? Como vem sendo construída essa relação?
Roberta Estrela D’Alva – Muitas comunidades têm feito edições online. Slam é performance, e não se pode falar em performance sem falar em presença. Nós sentimos muita falta do público presente fisicamente conosco: a vibração da torcida, a interação dos jurados com o público e com os poetas. Por outro lado, o formato online é muito interessante porque permite a participação de pessoas do Brasil inteiro e até mesmo de fora do país, e isso está criando uma nova rede de slams e interações muito frutíferas entre poetas.
No seu talk no Cultura Inglesa Festival você disse que o slam é um espaço autônomo onde é celebrada a palavra, a fala, mas principalmente a escuta. O slam é menos sobre falar e mais sobre ouvir?
O slam é sobre vozes que são ouvidas. É uma relação essa da fala e da escuta, mas a necessidade de nos escutarmos se faz urgente. Apesar de recente, o slam cresce a passos largos no Brasil e é fácil entender a sua rápida aceitação e o crescimento dessa “modalidade cultural esportiva” considerando o lugar que a tradição oral ocupa no país, particularmente a tradição de jogos orais competitivos, como por exemplo os desafios, as pelejas e o repente nordestino. Aliar essa tradição com a produção poética popular urbana em um contexto onde a diferença de estilos, discursos e idades é característica marcante, e onde todos se reúnem em torno de um único microfone, fazendo uso da liberdade de expressão de suas ideias, vem ao encontro da necessidade de fala e escuta, de exercício de cidadania, urgente à população das grandes cidades.
Você também mencionou que apesar de ter um caráter político, o slam também é entretenimento. O que o aproxima de cada um desses aspectos?
O criador do slam, Marc Smith, costumava defini-lo como um “show-cabaré-poético-vaude-villiano”. A ideia era organizar noites de performances poéticas, numa tentativa de popularização da poesia falada em contraponto aos fechados e assépticos círculos acadêmicos. Uma celebração mais festiva da poesia, onde as pessoas que participam podem se manifestar livremente, interagir. Acho que essa é a proximidade do slam com a festa, com a diversão: a ideia de que a poesia não está em um pedestal e precisa ser algo tão sacralizado ou elitizado, mas pode ser também uma prática popular e festiva.
Você acredita que a poesia ainda será um esporte nacional, como diz o Daniel Minchoni, do Menor Slam do Mundo?
Se as comunidades continuarem a crescer como vinham fazendo antes da pandemia, ao menos vamos ter muitas rodas abertas com poetas recitando no país inteiro. Na verdade, seria um sonho que a poesia fosse pão para todes, mas num país que entra novamente para o mapa da fome, e com a desgovernança bestial em curso, é até difícil às vezes falar em poesia ou manter uma comunidade de slam aberta quando a preocupação é com a sobrevivência.
Quais dicas dá para novatos que querem começar a competir?
Para quem quer começar eu sempre digo: Comece! Vá a slams e observe, se achegue, familiarize-se com o “espírito da coisa”. Outra dica é: você nunca vai estar pronto se não for lá, porque o aprendizado se dá na vivência do slam. Quase todos os slams têm um “microfone aberto” antes da competição. Esse é um bom momento para participar algumas vezes quando se está começando. E por último: não leve o slam a sério demais! É pra ser um jogo, uma brincadeira. Se as notas e a competição se tornam a única coisa importante, e o prazer de jogar desaparece, desconfie que alguma coisa está muito distante do propósito do slam, que é o encontro.
1º Slam Cultura Inglesa Festival
Classificatórias: 20/03, das 14h às 16h (português). Assista aqui.
das 16h30 às 18h30 (inglês). Assista aqui.
Finais: 21/03, das 14h às 16h (português)
das 16h30 às 18h30 (inglês)