A história sonhada

A história sonhada
Ilustração: Marcia Tiburi
  Em momentos históricos nos quais a vida se apresenta sobremaneira intrincada e de difícil representação psíquica, o trabalho onírico pode operar na elaboração dos impulsos do dia. É o que indicam Sigmund Freud e o aumento de relatos de sonhos em períodos de grandes transformações políticas, sociais e culturais. Sonhos podem surgir nesses contextos não como fonte oracular ou divinatória, mas como via auxiliar no tratamento psíquico daquilo que, no campo simbólico, se apresenta de modo precário e turvo. Freud nos apresenta os sonhos como um modo especial de pensamento viabilizado pelo estado do sono, que privilegia traços mnêmicos visuais e acústicos. Apesar de favorecer o uso de imagens, os sonhos não estão desligados da cadeia significante e, por meio de imagens historicizadas, testemunham não apenas embates pessoais e singulares, como também o labor de conflitos sociais e políticos. Sonhos no Terceiro Reich (1966), de Charlotte Beradt, é uma das maiores referências do século 20 no registro de sonhos relacionados a uma experiência histórica. Na Alemanha do início dos anos 1930, durante a ascensão do partido nazista e de Adolf Hitler, Beradt percebeu uma alteração em seus processos oníricos e sondou se o mesmo estaria acontecendo com conhecidos. Rapidamente percebeu que sonhos mais vívidos, marcantes e repetitivos estavam rondando as pessoas de seu círculo. De 1933 a 1939, ela coletou cerca de 300 sonhos, que foram lidos como expressão da violência sem precedentes que se instalava na Alemanha. Eles capturavam elementos fra

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