Notícias de outras ilhas: Fabrício Marques
O jornalista e poeta Fabrício Marques (Foto: João Marcos Rosa/Nitro)
Fabrício Marques é jornalista e poeta. Seu livro mais recente de poesia é Máquina de existir (Pedra Papel Tesoura, 2018). Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena –, indica poemas de Jarbas Medeiros, Maria do Carmo Ferreira e Edimilson de Almeida Pereira. A curadoria é de Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário do poeta abaixo.
Uma poesia que resiste a qualquer classificação, a de Jarbas Medeiros (1930-2005). Seus primeiros livros saíram em pequenas edições artesanais, que apontavam para um estranhamento à máxima potência, desde sua estreia: Horribilicribrifax tlacaxipehualiztli, de 1994. Dois anos depois, viria a público Jarbaslândia. Sempre tiragens pequenas, alcançando pouquíssimos leitores. A editora Autêntica, de Belo Horizonte, editou seus últimos títulos. O primeiro deles, sob o pseudônimo de Mafalda Cataraz, foi DaXx, zynGg e sporanOx, de 1998. Em 2002, saiu Manual técnico do alfaiate caprichoso, de onde foi extraído o poema “Planeta muito distante”. Eu o vi-ouvi recentemente numa bela leitura do poeta Renato Negrão, no Instagram.
Em 2000, organizei para o Suplemento Literário de Minas Gerais, então editado pelo poeta Anelito de Oliveira, uma antologia de poemas de Maria do Carmo Ferreira (1938), espantosamente inédita em livro neste 2020. Nesta seleção está “Coram Populo”. Maria do Carmo era admirada por Décio Pignatari e os irmãos Campos, que publicaram um poema dela na revista Invenção.
Edimilson de Almeida Pereira (1963) é um dos mais importantes poetas brasileiros em atividade. “Senhorita desespero” saiu em Zé Osório Blues (2002). Se não estou enganado, não consta da excelente antologia recém-lançada pela editora 34, Poesia +.
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PLANETA MUITO DISTANTE
Jarbas Medeiros
Eu sei que o mundo pode acabar
em grande hecatombe nuclear.
Não vai me atingir.
Meu quarto de dormir
é um planeta muito distante
na galáxia perdida que é a rua
onde moro
na constelação sem rumo da cidade
onde vivo.
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CORAM POPULO
Maria do Carmo Ferreira
isso é roçago sim é seda címbalo
res postera e saltério donde vêm
teus avatares de ava eva maligna
dalila ou salomé sabe-se lá quem
que círculos-ravéis cúmulo-cirro
samira sheraazade mil e uma em
fitas-kassete sulamita em signos
consoante vocalise ícone ventre
tripudians naja tripudiando diva
nheengatu de praxe nhenhenhém
olas olás olés bis bravos bíceps
nesse pulsarquasar quase que vem
com passos de pavlova radioativa
cântaro ao cântico hosanas améns
até estancar a sede dos convivas
e outra cabeça rolar por ninguém
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SENHORITA DESESPERO
Edimilson de Almeida Pereira
Chamem o amador de blues
vou bater nele como boxeur.
Na casa onde mora, luas
mexem os olhos até ferver.
Chamem o amador de blues
vou matá-lo arrumar emprego.
Tenho de magoar sua íris.
Vejo sua pele sob a blusa
movendo rios incêndios.
Vou matá-lo se me faz feliz.
Chamem o amador de blues
que persegui dias e noites.
E soube miserável sem irmã.
Chamem vou matá-lo
depois ganhar dinheiro.
Quero ser das que dançam
até fechar o clube e ferir
no tórax meu companheiro.
Chamem o amador de blues
não confio nele mais não.
É desses que entram a alma
e fazem a gente arder.
Chamem o amador de blues.
Vou bater nele como boxeur.