‘A minha paixão era o cinema, mas o meu alvo era a ditadura’
João Batista de Andrade nas filmagens de "A próxima vítima", de 1983
A ditadura militar e assuntos políticos e sociais sempre foram temas que atraíram o diretor, roteirista, escritor e produtor de cinema e televisão João Batista de Andrade. Seu primeiro documentário, Liberdade de Imprensa (1967), captou os anos iniciais de ditadura militar no Brasil, com o objetivo de discutir a situação da imprensa no país. “Tenho uma atração violenta para as questões sociais, para a injustiça, as incompreensões do mundo”, diz o cineasta, que dirigiu documentários sobre movimentos operários e sociais, como Greve! (1979) e Trabalhadores: Presente! (1979).
Mas seria o programa A hora da notícia (TV Cultura) o grande responsável por transformar a carreira de João Batista, que costuma dizer que aquele foi o momento de maior realização pessoal como cineasta. Convidado pelos jornalistas Vladimir Herzog e Fernando Pacheco Jordão para atuar como repórter especial, João Batista procurou unir, de 1972 a 1974, a factualidade do jornalismo à abordagem diferenciada e menos superficial permitida pelo cinema, casando “criatividade cinematográfica e “inquietação política”. Também trabalhou ao lado de importantes nomes do documentário nacional, como Eduardo Coutinho, Walter Lima Jr. e Maurice Capovilla no período considerado de ouro do Globo Repórter. No programa, produziu documentários célebres, como Caso Norte (1977) e Wilsinho Galileia (1978).
O cineasta premiado no Festival de Gramado com Kikito de melhor diretor por Doramundo, em 1978, e de melhor roteiro por O Homem que virou suco, em 1981, também circulou pelo cenário político. À frente da secretaria de cultura do estado de São Paulo, entre julho de 2009 e maio de 2010, idealizou o Programa de Ação Cultural (PAC, atual ProAC), que apoia projetos de cultura por meio de incentivo fiscal.
A CULT conversou com João Batista, um dos homenageados da quinta edição do Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo e que adiantou, entre outras coisas, que acabou de fazer o piloto de uma nova série feita para a televisão (ainda sem emissora ou previsão de estreia), Na sombra da história, produzida pela Oeste Filmes, produtora do diretor.
CULT – Seu primeiro filme, Liberdade de Imprensa, tem um viés político e social que, inclusive, acompanha boa parte de sua produção. O que seduz você nesse tipo de trabalho documental e político de fazer filme?
João Batista – Eu sou cineasta até o fundo da minha alma, até o último pedaço do meu fígado. O cinema é a minha vida, o problema todo é o outro lado da minha vida. Tenho uma atração violenta para as questões sociais, de injustiça, de incompreensões do mundo. O que aconteceu é que essas duas coisas se casaram nos meus filmes. Eu não os reduzi a um cinema militante, de fazer filme para transmitir ideias, pregar ideologias. Os filmes retratam mais as dificuldades da política do que os seus valores.
O senhor se considera um revolucionário?
Era revolucionário, mas em um sentido muito particular. Era uma análise que partia de qual o papel que um cineasta deveria exercer naquele momento. Nós dizíamos que era uma derrota quando um programa nosso era censurado [como o Wilsinho Galileia, que não pôde ser exibido no ano de lançamento, 1978] e não uma vitória. Para outro conceito de cinema político, ser proibido pela ditadura era um ponto positivo. Para mim, não.
O senhor trabalhou no Globo Repórter [de 1974 a 1978] na época em que o programa exibia documentários e tinha uma audiência bastante elevada. Por que o perfil do programa mudou?
Com os problemas de censura e reclamação, a TV Globo passou a substituir os cineastas por repórteres. E, quando os cineastas produziam o programa, o assunto era o Brasil. Depois, o assunto era o repórter. O Globo Repórter tem uma estrutura de guia turístico cujo papel é fazer com que as pessoas se divirtam com ele.
A Hora da Notícia foi um importante programa de oposição à ditadura. Por que você diz que aquele foi o momento em que mais se realizou na vida como cineasta?
Eu acho que houve um casamento entre criatividade cinematográfica e inquietação política. A minha paixão era o cinema, mas o meu alvo era a ditadura. Por exemplo, quando o Geisel foi indicado pelo Médici como seu sucessor, chegou um telegrama com a informação. Eu peguei o telegrama, minha equipe e fomos para a rua. Coloquei a câmera no tripé e, com o microfone na mão, dava o telegrama para as pessoas lerem. Quando elas paravam para ler e percebiam o que era, olhavam para mim, para câmera, inventavam uma desculpa e iam embora. As pessoas ficavam apavoradas.
Como ex-secretário de cultura do estado de São Paulo, qual a sua opinião sobre o incentivo do governo às produções culturais?
Eu tenho uma visão de aceitação crítica. É muito difícil para a produção cultural prescindir do apoio do governo. Então, se antes a produção tinha o apoio dos príncipes, hoje é o Estado que assume esse papel. Em uma democracia, é necessário ter regras e uma visão de que o Estado é importante para a produção cultural, mas essa importância não lhe dá o direito de intervir e impor padrões culturais. Por outro lado, a participação do Estado tem que ser transparente e aberta.
O senhor está trabalhando em alguma obra nova?
Fiz o piloto de uma nova série para a televisão, que chama Na sombra da história, que é sobre a história política brasileira, principalmente do pensamento da esquerda. Toda a história é contada por pessoas comuns, porque assim eu registro também o que aquilo que elas estão contando significa para elas mesmas. Na verdade, é uma série sobre o Brasil de hoje, como as pessoas enxergam a sua história. Sou um cineasta em plena atividade, então, na hora em que acabar o Festival, provavelmente começarei um novo projeto. Homenagem tem sempre o risco de te jogar para o passado, é homenagem pelo que já fez. Quero deixar claro que o meu interesse é o presente e o futuro.
(1) Comentário
Olá Renata, tudo bom??
Gostaria de dizer que seu artigo, antes de tudo, está muito bem escrito e o assunto abordado é bastante interessante, pois mostra as atividades de um homem e intelectual que se preocupou com a preservação dos valores democráticos no nosso país, PARABÉNS. João Batista foi um profissional ativo na época da Ditadura ao tentar conscientizar a população através de seus questionamentos e criticas feitas a um sistema autoritário que foi imposto para a sociedade, sem levar em conta seus verdadeiros anseios e vontades. Queria dizer que gostei muito do filme ”O Homem que virou Suco”, assistido por mim no inicio deste ano.
A entrevista em si também foi muito bem conduzida, com a elaboração de boas e importantes questões que ”resumem” de uma certa forma a atuação deste homem no âmbito intelectual, politico e cinematográfico.
Beijos, e até mais. Novamente, parabéns pelo artigo : )