Direitos humanos e diversidades: uma agenda da radicalização democrática

Direitos humanos e diversidades: uma agenda da radicalização democrática

Nos cartazes, lê-se em inglês: “Direitos Humanos primeiro” e “Hora da verdade”

Renan Quinalha
“Um dia, a humanidade brincará com o direito, como as crianças brincam com os objetos fora de uso, não para devolvê-los a seu uso canônico e, sim, para libertá-los definitivamente dele. O que se encontra depois do direito não é um valor de uso mais próprio e original e que precederia o direito, mas um novo uso, que só nasce depois dele. Também o uso, que se contaminou com o direito, deve ser libertado de seu próprio valor. Essa libertação é a tarefa do estudo, ou do jogo. E esse jogo estudioso é a passagem que permite ter acesso àquela justiça que um fragmento póstumo de Benjamin define como um estado do mundo em que este aparece como um bem absolutamente não passível de ser apropriado ou submetido à ordem jurídica”.
Giorgio Agamben, Estado de Exceção

Logo que recebi o convite para contribuir com uma coluna semanal para a página da Revista CULT, não tive dúvidas sobre o nome mais adequado e atual para batizar este blog recém-nascido: Direitos Humanos e Diversidades.

As reflexões que publicarei aqui serão resultado das minhas pesquisas e de minha militância nesses campos que, hoje, constituem uma dimensão fundamental das lutas no sentido de radicalizar a intensidade democrática da vida política em nossos tempos.

Alguns, de cara, poderão pensar que a aposta na realização dos direitos humanos e na promoção do respeito às diversidades se trata, no fundo, de crença ingênua em um discurso liberal ultrapassado.

Afinal, o discurso dos direitos humanos se inscreve na cena pública, originariamente, como uma estratégia das revoluções burguesas para limitar as arbitrariedades de um Estado absolutista, com o objetivo principal de preservar a autonomia individual emergente, sua liberdade mercantil e, sobretudo, sua propriedade.

Comprovação disso é o fato de que o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” se resumiu, em verdade, à enunciação formal de promessas não realizadas, já que não havia as condições materiais para sua plena efetivação em sociedades marcadas por graves injustiças e permanentes violações de direitos.

Assim, em determinados momentos, apropriações hegemônicas do discurso dos direitos humanos serviram para justificar dominações, escamotear opressões e consolidar privilégios, inclusive com leis injustas, de uma determinada ordem social. Aliás, algumas das mais bárbaras violências no campo internacional foram cometidas também em seu nome.

No entanto, não se pode ignorar que foi também sob a legitimidade do discurso dos direitos humanos e da diversidade que muitos movimentos sociais e lutas políticas avançaram no sentido de universalizar liberdades e garantias democráticas.

Ou seja, a determinação originária do conteúdo dos direitos humanos não constituiu, na dinâmica das disputas pelos seus sentidos, uma falha congênita insuperável. Uma série de deslocamentos e disputas foram instaurados de modo a reconfigurar a relação entre direito e política.

Nas democracias contemporâneas, os direitos humanos ainda servem de álibi, em muitas situações, para reduzir as possibilidades de reinvenção criativa e radical da vida comum. Por sua vez, o discurso de defesa das diversidades também aparece, muitas vezes, resumido à condição de mercadoria e de estratégia de marketing para cativar novos públicos consumidores.

No entanto, esses usos conservadores convivem em permanente tensão com a construção que os atores políticos progressistas fazem desse repertório de leis, políticas públicas, ações, experiências e discursos designados pelas fórmulas dos direitos humanos e das diversidades. Do mais alto nível de abstração para a sua concretização, essa gramática tem se mostrado de enorme valia para a resistência e a ofensiva dos setores populares.

Por exemplo, no Brasil atual, em que se nota uma ofensiva reacionária marcada por um viés autoritário, a defesa dos direitos humanos e das diversidades emerge como uma possibilidade que não pode ser descartada. Tanto que são referências constantemente evocadas como um guarda-chuva das pautas progressistas nos debates públicos e no vocabulário dos atores políticos.

Pode ser que tal contexto expresse, apenas, um sintoma da derrota de projetos emancipatórios mais efetivos e profundos. Afinal, direitos humanos e diversidades parecem ser menos pretensiosos do que o programa máximo da emancipação humana que animou o pensamento e a prática das esquerdas nas últimas décadas.

Contudo, a ação política libertadora em nossos tempos já não pode prescindir de uma reflexão crítica que dialogue com os movimentos de defesa dos direitos fundamentais e com outros setores que lutam contra discriminações étnicas, raciais, de gênero, de orientação sexual, dentre outros marcadores de diferença.

Nessa linha, os dois próximos textos serão dedicados às ambiguidades e aos paradoxos existentes na utilização de cada um desses dois discursos com o objetivo de conferir maior concretude e contornos para as análises que, semanalmente, o(a) leitor(a) encontrará nesta coluna.

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