Oficina Literária – Nômade
Mede o peso da casa,
olha as horas no braço nu,
e para os lados, como quem
não necessita de nada.
De repente sem nenhum
grito de protesto,
põe a casa às costas
e veste-se de mundo.
Conclama todos os demônios,
deita fora os semideuses
e esfrega no chão dos nossos olhos
a fuligem das estradas.
O cheiro que dele fica
empesteia o ar.
É apenas um animal
marcando seu território!
MACACO NA CABEÇA
para Joelson Ramos
Ousam.
Causam ausências.
Nos becos recordam,
em círculos,
a fera que afugenta a mancha
do outro.
A que analisa o asfalto.
Quanto de nós é o que não somos?
Que coisa é esta que
assoma o animal em nós?
Seremos o quê nestes corredores em transe,
errando letras,
soletrando ritmos ferrenhos
e hediondos?
Quem corrigirá a mão que nos aponta a morte?
Que bala é esta?
Que corpo merece estas moscas?
Diante dos olhares serenos,
entre aluviões,
a flor.
SOZINHO JUNTO
Nos primeiros tempos
eram guardados na memória
e nos braços
o sabor dos ventos
que os tocavam.
Depois, os ventos foram
se tornando chuva,
molhando as roupas –
seus trapos.
E de ventos e chuvas,
temporais.
Com pedras de gelo
e pó de labareda.
Não surgiram mais os risos.
Os rostos se amarrotaram.
PREMONIÇÃO
Quando
ter saudade
de coisa
que já não
se olha há muito
eis o momento.
Ésio Macedo Ribeiro é doutor em Literatura Brasileira pela USP, escritor, bibliófilo e fotógrafo. Vive em Brasília e São Paulo. Publicou, entre outros, O riso escuro ou o pavão de luto: um percurso pela poesia de Lúcio Cardoso (Edusp/Nankin, 2006)