Dossiê – Sentidos para a Democracia

Dossiê – Sentidos para a Democracia

“Que a democracia hoje esteja em crise, nos vários significados atribuídos a esta palavra, é uma afirmação banal, mas não por isso menos verdadeira.” A frase do pensador italiano Michelangelo Bovero resume o verdadeiro incipit que deu origem a este dossiê histórico da CULT.

Poderíamos entender “histórico”, aqui, sob um duplo aspecto. Em primeiro lugar, percebemos que hoje uma reavaliação dos sentidos de democracia tornou-se exigência fundamental de cidadania. Os escândalos corriqueiros que se convertem em norma no interior de nossas debilitadas instituições democráticas, os perigos de uma colonização cada vez mais devastadora do espaço político pelas leis de mercado e a falsa crença de que liberdade individual corresponde a liberdade econômica, as violações sistemáticas aos direitos humanos, são indícios, enfim, da precariedade normativa que o conceito de democracia enfrenta atualmente.

“Crise” significa estado de incerteza ou de declínio. Portanto, um recuo teórico, capaz de nos fornecer subsídios para uma compreensão do verdadeiro alcance das ações efetivamente democráticas, deveria ser entendido como tarefa essencial e urgente, até para que direitos sociais historicamente conquistados não entrem em colapso diante dos excessos de barbárie política que presenciamos em governos ditos, inclusive, democráticos.

Mas este dossiê também poderia ser considerado histórico porque conseguiu reunir pensadores renomados e de diferentes tradições para focalizar, no plano teórico, essa crise da democracia no Brasil e no mundo.

No primeiro artigo, o filósofo Vladimir Safatle analisa as relações entre justiça e direito no interior de “Estados ilegais” que, sob a falsa aparência do Estado de direito, bloqueiam o acesso efetivo de seus cidadãos ao exercício democrático de seus atos.

Em seguida, o sociólogo Jorge Zaverucha explica seu conceito de “semidemocracia”, para mostrar que, no Brasil, ainda não há um quadro político estável que fortaleça suas próprias instituições democráticas.

Já o historiador Gunter Axt descreve alguns momentos fundamentais da assimilação da ideia de democracia no Brasil.

Por fim, dois artigos longos e inéditos de autores que se tornaram decisivos para o entendimento do atual estágio da democracia e de suas formas de superação.

Michelangelo Bovero retoma e atualiza, nesse sentido, a concepção processual de democracia criada pelo filósofo político Norberto Bobbio.

O filósofo esloveno Slavoj Žižek trata inicialmente do vínculo entre democracia liberal e capitalismo, usando o exemplo da China como sinal de fracasso dessa ligação, para em seguida chamar a atenção para o declínio da ética política de países centrais da Europa. Žižek pensa sobretudo no caso italiano, cujo primeiro-ministro encaminharia uma concepção renovada de “tirania democrática” e de barbárie, ao unir tecnocracia e populismo fundamentalista e ao adotar um procedimento cínico de suspensão da ética. (ES)

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