A inescapável dominação da natureza

A inescapável dominação da natureza
Herbert James Draper: 'Ulisses e as sereias' - trecho que Adorno estuda (Reprodução)
  O caminho da civilização era o da obediência e do trabalho, sobre o qual a satisfação não brilha senão como mera aparência, como beleza destituída de poder. O pensamento de Ulisses, igualmente hostil à sua própria morte e à sua própria felicidade, sabe disso. Ele conhece apenas duas possibilidades de escapar. Uma é a que ele prescreve aos companheiros. Ele tapa seus ouvidos com cera e obriga-os a remar com todas as forças de seus músculos. Quem quiser vencer a provação não deve prestar ouvidos ao chamado sedutor do irrecuperável e só o conseguirá se conseguir não ouvi-lo. Disso a civilização sempre cuidou. Alertas e concentrados, os trabalhadores têm que olhar para frente e esquecer o que foi posto de lado. A tendência que impele à distração, eles têm que se encarniçar em sublimá-la num esforço suplementar. É assim que se tornam práticos. A outra possibilidade é a escolhida pelo próprio Ulisses, o senhor de terras que faz os outros trabalharem para ele. Ele escuta, mas amarrado impotente ao mastro, e quanto maior se torna a sedução, tanto mais fortemente ele se deixa atar, exatamente como, muito depois, os burgueses, que recusavam a si mesmos a felicidade com tanto maior obstinação quanto mais acessível ela se tornava com o aumento de seu poderio. O que ele escuta não tem conseqüências para ele, a única coisa que consegue fazer é acenar com a cabeça para que o desatem; mas é tarde demais, os companheiros – que nada escutam – só sabem do perigo da canção, não de sua beleza – e o deixam no mastro para salva

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