Violência e remissão
Jaqueline Gutierres
“O que Sigmund Freud pensava parece superficial e reacionário, atualmente”, afirma o escritor Irvine Welsh. O escocês, conhecido internacionalmente pelo livro Trainspotting, tem a obra Crime (Rocco) recém-editada no Brasil. Welsh escolheu os estudos atuais da psicologia para pesquisar sobre o assunto do último livro e ressalta a importância de se atentar aos crimes cometidos e facilitados pela internet.
Na obra, Welsh trata a pedofilia em diferentes situações, todas presenciadas por Ray Lennox, um policial escocês que está de férias em Miami. O autor fala à CULT sobre a obra e comenta a questão da pedofilia.
CULT – Por que decidiu escrever um livro sobre pedofilia?
É um assunto muito difícil. Foi complicado escrever sobre isso, foi um desafio inacreditável – e gosto de grandes desafios.
O livro mostra diferentes modos de ver a pedofilia e, nas últimas páginas, você explica que fez pesquisas com psicólogos. O que perguntou a eles e o que disseram? Fez pesquisas sobre autores como Freud, por exemplo?
Sim, minha visão sobre isso mudou muito nos últimos vinte anos. Lolita [de Nabokov] provavelmente não teria sido escrita, considerando-se que os tratamentos psicológicos hoje nos alertam sobre os efeitos danosos da exposição prematura ao contato sexual e do uso do poder e da coerção nos relacionamentos sexuais.
Quais foram as dificuldades para escrever o livro?
Sendo esse um assunto ligado ao emocional, era importante balancear entre o visceral e o conceitual corretamente.
Porque escolheu Miami como cenário da história?
Miami é uma cidade sinistra e suspeita, repleta de desocupados. Lá, realmente existe uma organização de pedófilos que vivem à espreita. Esse tipo de crime pode acontecer em qualquer lugar, mas a escolha de Miami me parece apropriada.
O caso da garota Tianna, infelizmente é típico, envolvendo crianças pobres e sem boa estrutura familiar. A história do livro tem um final relativamente feliz, se você fosse escrever uma sequência para a obra, o que aconteceria com Tianna depois de crescida? Você acredita que a influência de alguém com boas intenções, como Ray, pode mudar a vida de uma criança como Tianna?
É muito difícil dizer. Muitas vítimas de abuso sexual passam a ter disfunções sexuais, no caso das mulheres. Muitos dos que passam por isso sobrevivem e lidam bem com isso, têm uma vida normal e feliz. As possibilidades, pelo menos, existem para Tianna, graças à intervenção do Ray.
A história tem digressões que duram capítulos inteiros e fluxos de pensamento dos personagens ao longo da história. Tem-se a impressão às vezes de ler o roteiro de um filme. Você escreveu o livro com essa intenção? Você pensa em adaptações futuras quando escreve?
Não, simplesmente penso de um jeito cinematográfico de modo geral.
Nos seus livros, vários personagens sofrem de problemas mentais, como Ray Lennox no livro Crime, ou tem envolvimento com drogas, como é o caso de Renton e seus amigos em Trainspotting. Por que trabalha com esse tipo de personagem?
Se os personagens não possuem conflitos interiores, eles são chatos. É esse o motivo de eu não conseguir ler a maioria das obras desse gênero – os protagonistas são, em geral, mal feitos, unidimensionais. Isso tudo está relacionado a tramas intrigantes e complexas. Gosto do modo como Lennox tenta resolver seus próprios mistérios e, ao mesmo tempo, os de Tianna.
A pedofilia na internet é um problema em pauta atualmente. Em sua opinião, como isso pode ser controlado? Pensou em incluir alguma passagem relacionada à internet na história?
Não sei como isso pode ser controlado. Acho que as crianças deveriam ser orientadas sobre esse problema, sobre o que é aceitável e o que não é.
Algumas séries de TV, como “Lei e Ordem”, tratam de temas parecidos com os que você apresenta em Crime – a pedofilia, por exemplo. Usou algum desses seriados como referência?
Não, nunca vi um capítulo de “Lei e Ordem” na minha vida.
Você teve algum autor como referência ao escrever a obra?
Não, estudei relatórios médicos e participei de reuniões de grupos de sobreviventes de abuso sexual.
Você descreve Edimburgo (capital da Escócia) em alguns livros e, especificamente em Crime, criou um contraste entre a cultura escocesa de Ray e a cultura norte-americana. Você se considera um retratista de Edimburgo?
Acredito que sim, mas qualquer um que escreve sobre um lugar é um retratista apenas pelo simples ato de escrever.
Qual o próximo projeto?
Meu novo livro será lançado no ano que vem. Será uma continuação de Trainspotting, desta vez tendo Miami como cenário.
(2) Comentários
Deixe o seu comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.
Miami é uma cidade sinistra e suspeita? e Londres? e Oslo? e Berlim? e Paris? Miami é uma metrópole como outra qualquer, com problemas típicos de uma metrópole. Ou alguém aí costuma dar um pulinho na periferia desses grandes centros metropolitanos europeus?? Duvido muito. A diferença na verdade reside no preconceito do autor, visto que Miami é uma cidade tipicamente latina. A Europa branca, vamos e convenhamos, continua racista, fascista e elitista. Não leio nem lerei o livro.
Não me agradou a entrevista.
Este livro teria grandes chances de ser lido por mim por ser do Welsh.
Não sei graças a quem… à soberba dele ou à falta de cuidados da edição. Enfim… não lerei.