24º Cultura Inglesa Festival: similaridades entre autores homenageados vão além da língua

24º Cultura Inglesa Festival: similaridades entre autores homenageados vão além da língua
Autores como Margaret Atwood, Shakespeare e Maya Angelou têm outros pontos de contato além da língua (Fotos: Divulgação)

 

Nos dias 8, 9 e 10 de março, às 21h, o 24º Cultura Inglesa Festival celebra grandes nomes das letras anglófonas a partir de reinterpretações de artistas brasileiras. As homenagens acontecem em três lives intituladas “Um quarto todo delas”, “Metáforas metafísicas” e “Cantos nômades”. 

Na primeira – transmitida no Dia Internacional da Mulher –, Marisa Orth e Cida Moreira revisitam a obra de Virginia Woolf, Gertrude Stein, Margaret Atwood, Denise Levertov e Emily Dickinson. Na noite seguinte, Chris Couto e Claudia Missura lançam seus olhares sobre os escritos de Shakespeare, John Donne, William Blake e John Keats.

O encerramento fica por conta de Dani Nega e Natasha Felix, que reinterpretam a obra literária de Toni Morrison, Alice Walker, Maya Angelou e Wole Soyinka. As lives terão direção musical do pianista Benjamim Taubkin e apresentação de Natalia Barros, curadora da série Re(Versões) voltada à poesia. 

Neste ano, um dos objetivos do festival é revisitar a cultura britânica e a língua inglesa pela ótica de artistas brasileiros por meio da série (Re)Versões, em que artistas, músicos e coreógrafos homenageiam grandes obras e personalidades anglófonas.

“Minha opção foi trabalhar com escritores que nos ajudassem a pensar sobre a densidade do que vivemos de uma maneira crítica”, afirma Natalia Barros. “Quanto aos textos, procurei tomar partido daqueles que nos causassem ao mesmo tempo espanto e alegria. E que nos deixassem com um estranho sabor de entusiasmo no meio do caos.” 

Para além da língua, listamos outros pontos de contato entre as autoras e os autores homenageados nesta edição do festival:

Cultura Inglesa Festival - Reversões - Poesia

Margaret Atwood recriou A tempestade (1611), de Shakespeare, em Semente de bruxa (2019)

Na peça do dramaturgo britânico, Próspero planeja atrair o irmão, Antônio, para a ilha remota em que se encontra com a filha, Miranda. A intenção é revelar as vilanias do homem que lhe roubou o título de duque e restaurar o lugar da filha como herdeira legítima da posição.

Já no romance da escritora canadense, o leitor é apresentado a Felix, diretor artístico do Festival de Teatro de Makeshiweg, demitido do cargo após um ato de traição. Assombrado pela morte da filha, Miranda, ele se isola em uma cabana velha enquanto aguarda o momento da vingança – que se realiza 12 anos depois, quando encena A tempestade com um grupo de presidiários e lança uma armadilha para seus traidores.

Publicado no Brasil em 2019 pela Morro Branco, Semente da bruxa foi lançado no âmbito do projeto Hogarth Shakespeare, uma iniciativa da Penguin Random House que desde 2013 convida autores para criarem versões modernas da obra do dramaturgo britânico. 

Cultura Inglesa Festival - Reversões - Poesia

Maya Angelou e Emily Dickinson eram apaixonadas pela culinária

Pães eram a especialidade de Dickinson, que em 1856 chegou a ficar em segundo lugar em um festival culinário com uma receita de pão de centeio indiano. A cozinha era, inclusive, um lugar de inspiração para a poeta estadunidense, que tinha o costume de escrever no verso de embalagens e papéis que encontrava por ali. 

O poema “The things that can never come back, are several”, por exemplo, foi escrito pela primeira vez no verso de uma receita de bolo de coco enviada por um amigo. Embora vivesse reclusa, praticamente todas as pessoas da cidade de Amherst, em Massachusetts, a conheciam pelas delícias que preparava. Da janela de casa, oferecia doces e pães de mel às crianças da vizinhança.

Maya Angelou também era conhecida pelo talento na cozinha, principalmente pelos fartos jantares que preparava para amigos e familiares – como o que ofereceu em 1993 em homenagem a Toni Morrison e seu recém conquistado Prêmio Nobel de Literatura. Na ocasião, serviu carne com quiabo e ervilha para cerca de 150 convidados. 

A autora adorava inventar novos pratos e se orgulhava da grande sala de jantar da sua casa na Carolina do Norte, onde promovia festas de Ano Novo e de Ação de Graças. O amor pela cozinha também ganhou a forma de dois livros de receitas: Hallelujah! The Welcome Table (2004) e Great Food, All Day Long: Cook Splendidly, Eat Smart (2010). 

Cultura Inglesa Festival - Reversões - Poesia

Sobre Shakespeare, Maya Angelou disse: “sei que era uma mulher negra”. 

Aos sete anos, a escritora viveu um trauma que a deixou muda. Ela recuperou gradualmente a fala com a ajuda da senhora Flowers, uma vizinha da avó que lia para ela autores como Shakespeare, Charles Dickens e Edgar Allan Poe

Na igreja que frequentavam, era comum que crianças interpretassem alguns poemas, e a pequena Angelou se sentia mal por conhecer tantos deles, mas não conseguir recitar nenhum. Até que foi capaz de interpretar o monólogo de Pórcia, personagem de O mercador de Veneza, na frente de todos. 

O apreço da autora pelo dramaturgo britânico a seguiu pela vida. Em 1985, na 7º Conferência Anual organizada pela National Association of Local Arts Agencies (NALAA), ela proferiu um discurso no qual citou o impacto da leitura do Soneto 29, de Shakespeare: 

“Claro que ele escreveu isso para mim, essa é a condição de uma mulher negra. Claro que ele era uma mulher negra. Eu entendi isso, ninguém mais o fez, mas eu sei que William Shakespeare era uma mulher negra”. Intitulado “The Role of Art in Life”, o discurso foi posteriormente publicado no jornal da organização American for the Arts

Cultura Inglesa Festival - Reversões - Poesia

Emily Dickinson e John Keats quiseram queimar seus escritos

Keats decidiu que queria ser poeta depois de se formar médico, em 1816, quando passou a se dedicar integralmente à escrita. Com Lord Byron e Leigh Hunt como inspirações, o inglês publicou seu primeiro livro em 1817, e no ano seguinte já trabalhava no longo poema Endymion, dedicado ao poeta Thomas Chatterton. 

Foi aí que se apaixonou por Fanny Brawne. Em outubro de 1819 o noivado já estava anunciado, mas Keats decidiu que não poderia se casar antes de consolidar uma carreira nas letras. Por isso queimou toda a obra que considerava inferior em comparação a escritos mais maduros.

A poeta estadunidense teve o mesmo impulso: próxima da morte, em 1886, fez a irmã prometer que botaria fogo em todos os seus papéis e correspondências. Lavinia não seguiu o plano da autora, pelo contrário. Junto com Austin, seu irmão, publicou os poemas encontrados no espólio da irmã – cerca de 1775 – em pequenas edições, ao longo dos anos seguintes.  

Em vida, entre 1850 e 1878, Dickinson publicou apenas dez poemas e uma carta em revistas e jornais, mas não assinou nenhum deles. Seu primeiro livro veio à tona só em 1890, quatro anos após a sua morte, graças ao esforço familiar. 

Cultura Inglesa Festival - Reversões - Poesia

Toni Morrison e Maya Angelou viveram uma amizade de mais de 40 anos

O contato entre as duas escritoras estadunidenses se iniciou em 1973, quando Angelou escreveu a Morrison afirmando que Sula, lançado naquele ano, era um dos livros mais importantes que ela já tinha lido na vida. Pouco depois, as duas se encontraram pela primeira vez em um festival em Hay-on-Wye, em Gales. Na ocasião, ambas tinham uma preocupação em comum: suas mães. 

“Éramos apenas duas senhoras negras que sentiam falta de suas mães. Passamos um tempo juntas, respeitando e ajudando uma à outra”, relembrou Angelou em entrevista à revista Essence em 2013. Desde então essa amizade se aprofundou. Era comum que as autoras manifestassem publicamente a admiração que sentiam uma pela outra. 

“É isso que essa mulher fez através de dez livros: amor, respeito e compreensão da mulher afro-americana e de tudo pelo que ela tem que passar”, afirmou Angelou em 2012 durante um evento em homenagem a Morrison na Unidade Estadual de Virgínia.

Já Morrison dizia que Eu sei por que o pássaro canta na gaiola (1969), de Angelou, a ajudou a entender o seu próprio trabalho: “Jamais tinha visto esse tipo de claridade contemporânea. Tirei sustento disso. A porta estava aberta, e então as escritoras negras entraram por ela”.

Cultura Inglesa Festival - Reversões - Poesia

John Keats e Virginia Woolf deixaram um enorme arquivo epistolar 

Ainda que tenha morrido de forma precoce, aos 25 anos, em 1821, John Keats legou, além de 141 poemas, um arquivo de 252 cartas escritas em cinco anos, entre 1815 e 1820. Publicadas pela primeira vez em 1848, os escritos não foram bem recebidas pela crítica, que as considerou uma distração do trabalho poético do autor.

Mas no decorrer do século 20 esses documentos ganharam progressiva relevância – a ponto de o celebrado poeta T.S. Eliot declarar que o conjunto constituía “certamente o mais notável e importante escrito de um poeta inglês”. Além de revelar concepções tanto poéticas quanto filosóficas do autor, a obra epistolar é uma importante fonte biográfica sobre a vida do poeta. Todas foram digitalizadas pelo projeto The Keats Letters Project

Já a correspondência de Virginia Woolf é ainda mais impressionante: são 3710 cartas escritas em 53 anos, entre 1888 e 1941 – e editadas em seis volumes desde os anos 1970. As primeiras são de quando a autora tinha apenas seis anos. “A vida se partiria em pedaços sem as cartas”, escreveu em O quarto de Jacó, romance de 1922. 

Os documentos permitem um mergulho profundo na psique da autora, que escrevia sobre relações familiares, o medo da loucura, os períodos de depressão, de felicidade com o trabalho e as tristezas relacionadas ao luto e a crises nervosas.

Cultura Inglesa Festival - Reversões - Poesia

Junto de Derek Walcott, Wole Soyinka e Toni Morrison foram os primeiros autores negros a vencer o Nobel de Literatura

O dramaturgo, poeta e ensaísta nigeriano recebeu o prêmio em 1986 por sua vasta obra composta por peças, romances, novelas, ensaios e poemas. Dedicado a Nelson Mandela, seu discurso de agradecimento criticou o apartheid e as políticas de segregação racial impostas pelo Partido Nacional da África do Sul. 

Um dos maiores dramaturgos em atividade, Soyinka estreou recentemente no mercado editorial brasileiro com o livro de memórias Aké: os anos de infância, originalmente publicado em 1981. Na obra, ele conta a história da sua infância no oeste da Nigéria, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto registra expressões da cultura iorubá – a música, a comida, a religião – em um país de colonização inglesa.

Já Toni Morrison foi laureada com o Nobel sete anos depois, em 1993, por “dar vida a aspectos essenciais da realidade americana”, segundo a academia sueca. Àquela altura, a escritora já havia conquistado a crítica com alguns de seus romances mais celebrados, como O olho mais azul, de 1970, Sula, de 1973, e Amada, de 1987. 

Além do Nobel, ela foi também a primeira mulher negra a receber o Prêmio Nacional da Crítica pelo romance Song of Solomon (1977) e o Pulitzer por Amada (1987). 

(Re) Versões Poesia: Um quarto todo delas. 08/03, às 21h.
On demand até 28/03.

Marisa Orth e Cida Moreira (re)interpretam
a obra literária de Virginia Woolf, Gertrude Stein,
Margaret Atwood, Denise Levertov e Emily Dickinson.
Onde: em culturainglesa.com.br 

(Re) Versões Poesia: Metáforas Metafísicas. 09/03, às 21h.
On demand até 28/03.

Chris Couto e Cláudia Missura (re)interpretam
a obra literária de William Shakespeare, John Donne,
William Blake e John Keats.
Onde: em culturainglesa.com.br 

(Re) Versões Poesia: Cantos Nômades. 10/03, às 21h.
On demand até 28/03.

Dani Nega e Natasha Felix (re)interpretam
a obra literária de Toni Morrison, Alice Walker,
Maya Angelou e Wole Soyinka.
Onde: em culturainglesa.com.br 


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