Lenny Kaye sobre Patti Smith: Tem sido uma jornada incrível

Lenny Kaye sobre Patti Smith: Tem sido uma jornada incrível
Lenny Kaye e Patti Smith fotografados por Lynn Goldsmith (Reprodução)

 

Lenny Kaye é guitarrista, compositor, escritor e parceiro musical de Patti Smith há 45 anos. Os dois se conheceram na década de 1970: ela o contatou depois de ler um artigo de sua autoria sobre música a capella na revista Jazz And Pop, e foi convidada a passar na loja de discos em que o músico trabalhava na época, em Nova York. São amigos desde então. Nasceu daí o álbum Horses (1975), considerado precursor do punk rock, além de outros dez discos e incontáveis sessões de improvisação feitas de acordes e poesia, como conta Lenny Kaye à Revista CULT por telefone, às vésperas do Natal de 2016 e do aniversário de 70 anos de Patti Smith. “O fato de tudo ter dado tão certo naquela noite em St. Mark’s e depois, nos 45 anos que se seguiram, é realmente algo mágico em minha vida”. No depoimento abaixo, ele relembra a “estranha amálgama de música, palavras e fluxo de consciência” que os levou por essa “aventura emocionante” que já dura quase meio século.

 

Desde tempos atrás, eu sempre observei como Patti respira. Especialmente durante nossas improvisações: quando ela aumentava o timbre da voz, eu tentava acompanhá-la. Quando ela o diminuía, eu fazia com que minha guitarra apenas a circundasse. Às vezes tenho uma sequência de acordes e ela cria versos em cima deles; às vezes ela tem as palavras e eu consigo ouvir a melodia por trás delas. Às vezes chegamos a uma cidade desconhecida e vemos algo que nos desperta aquele faísca criativa. Nunca sabemos quando a inspiração vai chegar.

Patti Smith é uma artista. Ela não estabelece distinções entre o tipo de trabalho que faz. Tudo funciona de forma orgânica, em que seu conhecimento visual leva à sua visão de poesia, que se transforma em sua visão de música. E isso resulta em uma percepção do que a arte pode fazer dentro de nós, que tipo de emoções pode provocar.

Ela sabe que eu entendo como ela respira. Sabe que acredito nela, e que vou procurar maneiras de emoldurar a sua arte. Nós somos muito próximos, muito amigos, temos a mesma idade – ela nasceu no dia 30 de dezembro e eu no dia 27. Nós compartilhamos experiências e uma cultura que seguiu evoluindo de muitas formas. Passamos pelas mesmas fases juntos e nos entendemos muito bem.

Mas nós não tínhamos intenção de construir algo, não planejamos nada disso. Nos esvaziamos de expectativas e, para mim, essa é a melhor maneira de fazer arte, porque não é preciso forçá-la dentro de algaum padrão vigente e, assim, ela se torna o que deveria ser.

Nossa primeira performance juntos, em 1971, na Igreja de St. Mark’s, foi algo pontual, não pensamos em começar uma banda ou em fazer aquilo novamente. Nós nem mesmo nos apresentamos juntos nos dois anos e meio que se passaram. O que havia, sim, era um sentimento de construir algo para o momento, para a arte. Foi como uma pequena semente que tomou o seu tempo para crescer e se tornar uma planta. E tem sido uma jornada incrível.

Foi essa estranha amálgama de música, palavras e fluxo de consciência que nos levou por essa aventura emocionante. Patti e eu nunca acreditamos em definições porque elas te limitam. Acreditávamos que poderíamos manter nossas possibilidades abertas enquanto criávamos uma música, enquanto Patti fotografava, desenhava ou escrevia. É preciso deixar a palavra e a arte se expressarem por si mesmas e ela mostrou que não é preciso se encaixar em padrões, que você pode simplesmente seguir suas inspirações, seus sonhos e talvez criar um tipo de música que não se pareça com nada já feito antes. Patti não soa como mais ninguém.

Somos uma banda estranha. O fato de termos feito sucesso muitas vezes me surpreende porque, você sabe, somos idiossincráticos e não nos encaixamos em nenhuma categoria. Diziam que éramos punks, mas para nós o punk sempre foi muito mais uma atitude do que um estilo específico de música. Uma atitude que significava começar a partir de algo novo, e não tentar se tornar uma ressurreição do passado. Queríamos fazer arte que fosse desafiadora para a imaginação, para o intelecto, mas que ainda assim te fizesse sentir vontade de dançar.

Eu amo a poesia de Patti e se eu puder contribuir com minhas limitadíssimas habilidades na guitarra, sou um privilegiado. O fato de tudo ter dado tão certo naquela noite em St. Mark’s e depois, nos 45 anos que se seguiram, é realmente algo mágico em minha vida.


 Colaborou Paulo Ricardo Alves

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