Notícias de outras ilhas: Renan Nuernberger

Notícias de outras ilhas: Renan Nuernberger
O poeta Renan Nuernberger (Foto: Divulgação)

 

Renan Nuernberger nasceu em São Paulo, em 1986. É autor de Mesmo poemas (Sebastião Grifo, 2010) e Luto (Patuá, 2017), além de organizador da antologia Armando Freitas Filho da coleção Ciranda da Poesia (EdUERJ, 2011) e do volume de ensaios Neste instante: novos olhares sobre a poesia brasileira dos anos 1970 (Humanitas, 2018), este último em parceria com Viviana Bosi.

Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena – indica poemas de Claudia Roquette-Pinto, Vinicius de Moraes e Sophia de Mello Breyner Andresen. A seção tem curadoria de Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário do poeta abaixo.

 

Do confinamento, escolho esses três poemas que emolduram as coisas. Os objetos são todos, a rigor, pequenos (uma cadeira, uma pera, uma vela), entretanto, a partir deles faíscam amplos contrastes (entre a ideia e a língua, entre o exausto e o lhano, entre o suspiro e o milênio). São três exercícios de empenho fundamentalmente plástico: o primeiro, de Claudia Roquette-Pinto, remonta à “camurça-conceito”, com essa deliciosa “auréola” feita verbo, para remontar a cadeira, mobília de sílabas, em sugestivas figurações; o segundo, de Vinicius de Moraes, elege uma fria pera, em oposição à exuberância contente de outras frutas, como emblema de um entardecer que se encerra em indagação lacônica; o terceiro, de Sophia de Mello Breyner Andresen, traz uma singela chama que, apesar de frágil, é capaz de iluminar a concentrada casa, cujo exterior é, por sua vez, envolvido pela noite antiga, com sua imensidão de treva e de prodígios. São, enfim, três modos de olhar para o que há por perto – mas que acabam ensinando muito mais do que aquilo que, a princípio, descrevem.

***

Cadeira em Mykonos

Claudia Roquette-Pinto

I.

nela não se auréola nem é falsa
a ideia, que dela se alça,
como o fogo da lenha
um grego, aliás, quem a
aprisionou, como a um inseto
sobre a camurça-conceito:
na língua, terceiro objeto,
menos cadeira, se a escrevo
tampouco devo (se a quero)
nos arrabaldes das sílabas
buscar madeira de mobília
preciso (para que a tenha)
adestrar-me ao negativo,
ao branco contíguo
da parede, hauri-la
como figura: literal
(modo-de-éden) nua
entre lençóis de cal

II.

Ícaro sem penas
Noiva muda em cendais de secagem rápida
Quadrúpede engendrado para solidões

***

A pera

Vinicius de Moraes

Como de cera
E por acaso
Fria no vaso
A entardecer

A pera é um pomo
Em holocausto
À vida, como
Um seio exausto

Entre bananas
Supervenientes
E maçãs lhanas

Rubras, contentes
A pobre pera:
Quem manda ser a?

***

Vela

Sophia de Mello Breyner Andresen

Em redor da luz
A casa sai da sombra
Intensamente atenta
Levemente espantada

Em redor da luz
A casa se concentra
Numa espera densa
E quase silabada

Em redor da chama
Que a menor brisa doma
E que um suspiro apaga
A casa fica muda

Enquanto a noite antiga
Imensa e exterior
Tece seus prodígios
E ordena seus milénios
De espaço e de silêncio
De treva e de esplendor


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