Notícias de outras ilhas: Rafael Zacca
O poeta e crítico Rafael Zacca (Foto: Arquivo pessoal)
Rafael Zacca (1987) nasceu e vive no Méier. É poeta e crítico. Professor de Teoria Literária na UFRJ e de Estética na PUC-Rio. Orientador de oficinas de criação literária no Coart/UERJ. Colaborador do jornal Rascunho, da revista Escamandro e da revista Pessoa. Publicou A estreita artéria das coisas (Garupa), Mini Marx (7Letras) e Mega Mao (Caju). É co-autor do livro de oficinas Almanaque Rebolado (Oficina Experimental de Poesia e várias editoras).
Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena – indica poemas de Valeska Torres, Frank O’Hara e Ana Luiza Rigueto. A seção é curada por Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário da poeta abaixo.
O corpo, quando é tocado, desperta – sem contato, dorme. Sim, você talvez esteja fazendo exercícios, praticando o prazer de pequenas coisas nos pés, nas mãos, na cabeça, e tudo o mais. E é bem possível que esteja à flor da pele. Mas o corpo dorme, não tem jeito. Eu poderia compartilhar com você uma porção de coisas que se referem ao isolamento. No entanto, o corpo que dorme é o corpo que sonha – e o corpo que sonha é o corpo que leva o desejo ao limite do insuportável, antes de acordar. Esses poemas são pra fazer você sonhar. Vamos precisar de muita cautela, cuidado, catarse e juízo nesses tempos – mas também é bom que nos preparemos para inventar, fantasiar, fingir e delirar. Faz o seguinte: vai no corpo. O Grupo Corpo liberou seus espetáculos, dois por semana, pra assistir no isolamento. A Casa do Saber liberou uns cursos, muitos deles vão falar sobre o seu corpo. A Sabrina Ginga (@sabrinaginga) e o Afrofunk Rio (@afrofunkrio) estão fazendo lives pra você sentir de novo as pernas, o bumbum, os braços, o peito, os ombros, e o resto. Faz, pula, corre, dança, sonha. Inventa. Se prepara pro outro, enquanto não tem o outro. Sonha.
Nós dois cantando Sidney Magal na feira de São Cristóvão
Valeska Torres
Para Fernando
estação da Penha
desemboco perdida na linha de fuga, percebo
– como se percebem os furos de tatuí na areia de Grumari –
o grão de purpurina no fim do carnaval
São quatro por dois isso que inflama meu peito
não chupo a espinha do peixe,
não como mocotó
sonho em me bronzear sob o sol de ramos
me banhar no piscinão
ao seu lado
com as mãos entrelaçadas nas suas
bebendo itaipava
sou mulher de gostos caros, digo a você enquanto
rasga meu sutiã
gasto
por amaciantes
picho na murada do prédio
seu nome <3 meu
para que você saiba o quão merda eu sou
quando apaixonada
meus pais me apontam dedos disseram para não me perder demais
¡perigo águas profundas, correntezas e redemoinho!
é tarde,
depois de meia-noite
nosso horário são verões
é tarde
estou fudida
porque a foda tem o gosto do meu homem
e disso os meus lábios não cansam
***
Uma coca cola com você
Frank O’Hara
é ainda melhor que uma viagem a San Sebastian, Irun,Hendaye, Biarritz, Bayonne
ou que ficar enjoado na Travessera de Gracia em Barcelona
em parte porque nessa camisa laranja você parece um São Sebastião melhor e mais feliz
em parte porque eu gosto tanto de você, em parte porque você gosta tanto de iogurte
em parte por causa das tulipas laranja fluorescente contra a casca branca das árvores
em parte pelo segredo que nos vem ao sorriso perto de gente e de estatuária
é difícil quando estou com você acreditar que existe alguma coisa tão parada
tão solene tão desagradável e definitiva como estatuária quando bem na frente delas
na luz quente de Nova York às quatro da tarde nós estamos indo e vindo
de um lado para o outro como a árvore respirando pelos olhos de seus nós
e a exposição de retratos parece não ter nenhum rosto, só tinta
de repente você se surpreende que alguém tenha se dado ao trabalho de pintá-los
olho
pra você e prefiro de longe olhar para você do que para todos os retratos do mundo
exceto talvez às vezes o Cavaleiro Polonês que de qualquer maneira está no Frick
aonde graças a Deus você nunca foi de modo que eu posso ir junto com você a primeira vez
e isso de você se mover tão bonito mais ou menos dá conta do Futurismo
assim como em casa nunca penso no Nu Descendo a Escada ou
num ensaio em algum desenho de Leonardo ou Michelangelo que costumava me deslumbrar
e o que adianta aos Impressionistas tanta pesquisa
quando eles nunca encontraram a pessoa certa para ficar perto de uma árvore quando o sol baixava
ou por sinal Marino Marini que não escolheu o cavaleiro tão bem
quanto o cavalo
acho que eles todos deixaram de ter uma experiência maravilhosa
que eu não vou desperdiçar por isso estou te contando
Tradução de Luiza Franco Moreira
***
um pula-pula com você
Ana Luiza Rigueto
só sei que
aluguei esse pula-pula
pra nós duas
de uma feita foi
isso librianos gostam
de agradar o crush
então você me disse eu gosto
de pula-pula
vi aí uma chance
te chamar pra pular
comigo
nós duas sem fazer
registro
ninguém precisa saber
pulamos muito e rimos
sem gerar conteúdo caindo
sempre como se fosse a
última
rodada o último choque
sabendo que
não é amor
culpa da cartomante antecipando tudo
não é
mas a gente gosta
do artifício protelar a hora do
corpo matar uma garrafa de vinho
coisas assadas no forno
de noite dividir cama
fazer carinho a gente gosta do vício
muito bonita eu só quero olhar você muito