Privado: O culto às marcas

Privado: O culto às marcas
O jogador de futebol Neymar com uma camiseta de Nike (Foto: divulgação)

por Marcia Tiburi

A hipervalorização de bens ditos “de marca” é uma característica das sociedades contemporâneas.  Delas advém a distinção como forma de poder que fascina tanto ricos quanto pobres no cenário da dessubjetivação partilhada por todos, da loja de luxo ao camelódromo das falsificações.

A questão da distinção guarda em seu fundo um aspecto mais tenebroso, concernente ao presente da condição subjetiva da vida dos usuários devorados pelas antipolíticas autodestrutivas do consumismo transformado em regra.

Zerada a intersubjetividade que se definia na interação afetiva e comunicativa entre pessoas, o que resta são as coisas – e as pessoas como coisas – que podem ser compradas. Diga-se de passagem que as pessoas não compram coisas, mas sinais que informam sobre um capital simbólico. Coisificação da consciência é o nome velho para o fenômeno em que a concretude das coisas é substituída pela abstração da insígnia.

A fascinação de tantas pessoas por roupas, carros e até eletrodomésticos ditos “de marca” em nossa época é a declaração auto-exposta da morte do sujeito. Espantalhos de uma ordem que previu o assassinato do desejo, do pensamento e da liberdade – conjunto do que aqui chamamos de subjetividade – são incapazes de compreender seu descarado simulacro.

A morte por assassinato da subjetividade é percebida na redução do indivíduo a uma espécie de morto-vivo em três tempos. 1 – A destituição do direito ao próprio desejo: a publicidade colonizou a capacidade de sentir e projetar a autobiografia de cada um que é apagada na encenação da “vida fashion”. 2 – A desaparição da possibilidade de pensar: a publicidade oferece os jargões e slogans a serem repetidos sob a ilusão de ideias próprias. 3 – O direito à ideia-prática da liberdade é extirpado: resta o simulacro da escolha entre uma marca e outra. A ação torna-se acomodação ao mesmo de sempre.

A escolha entre o nada e a coisa nenhuma é bem disfarçada no poder de ostentar que promete redimir do buraco subjetivo. Não tendo mais o que expressar, alguém simplesmente “ostenta” um relógio caro, um computador moderninho, um carrão oneroso. Ou um piercing, um músculo forte. Tudo e cada coisa é reduzida à marca, emblema do capital e seu poder na era do Espetáculo.

Cultura da falsa expressão

Podemos dizer que a ostentação é a cultura da pseudo-expressão no tempo das marcas. Se o poder de ostentar é proporcional ao esvaziamento da expressão, resta perguntar o que foi feito dessa potência humana? Ora, a expressão é fator subjetivo que se cria em um contexto social e político em que está em jogo a capacidade de “dizer alguma coisa”, de “dizer o que se pensa”, o que se “deseja”.

Só que fomos privados da expressão com a derrocada da formação de sujeitos desejantes, reflexivos e livres. Se as pessoas não dizem o que pensam, é porque a capacidade de pensar e dizer lhes foi extirpada. No lugar, podem travestir-se com a insígnia do poder fundamentalista das marcas da religião capitalista. A cruz para Cristianismo, a Estrela de Davi para o Judaísmo, a Lua Crescente para o Islamismo e uma marca famosa para o servo fiel do capital.

Os jovens são as principais vítimas dessa violência. Que sejam o “público alvo” quer dizer que são a presa fácil para um tiro certeiro. Os rebanhos de zumbis nikezados, abercrombizados, macdonaldizados, são arregimentados no exército de otários das massas manobradas, paramentados para o grande sacrifício sem ritual do capitalismo, em que a subjetividade é diariamente morta a pauladas.

A saída é a arte, a poesia, a negação ativa contra o uso e o consumo de marcas. A prática anti-capitalista é um ateísmo e começa com a recusa aos seus deuses como simples profanação cotidiana.

(21) Comentários

  1. Olá, eu tenho um interesse no conceito de capital simbólico e em especial neste fenômeno de coisificação da consciência. Será que você recomendaria alguma leitura?
    Seu texto ficou bom! Falta mesmo reflexão no campo das consequências sociais da dessubjetivação estética que o consumismo promove

  2. Um texto com a marca pessoal da senhorita Tiburi. Não sei por que eu me lembrei daquele apresentador de TV, esposo daquela apresentadora de TV, de quem roubaram um Rolex. Eu continuo com o meu Casio.

  3. Que discurso inflamado de dogmatismo. Como se fosse possível avaliar esse panorama jogando proposições objetivas ao debate sobre o fenômeno consumista.

  4. É muito curioso e pertinente pensar em religião do capitalismo quando a essência do termo remete a algo que religa, neste caso, religação ao capital.

    A ferramenta publicitária também explora uma das características do ser humano que, inclusive, proporciona a vida em sociedade: o comportamento de grupo, o famoso “Maria vai com as outras”, porém, desvirtuada. Os que são capturados e influenciados pela mídia publicitária marcham na direção do que a propaganda promete, transformados em fiéis soldados com um objetivo comum: consumir. Os que não se juntam à tropa são considerados baixas de guerra nessa cruzada do consumo. Esquecidos, desprezados por não serem do grupinho.

    Mas se o culto às grifes é uma característica da sociedade contemporânea, em que momento histórico teria aflorado essa seita macabra que prega a autodestruição da subjetividade?

    Provavelmente a semente do consumismo foi plantada antes do surgimento do capitalismo, com a ascensão da burguesia que, de certa forma, cobiçava o estilo de vida dos nobres já na Idade Média. Inclusive foram os burgueses que se dedicaram ao comércio que tanto influenciou e transformou a cultura ocidental a partir de então.

    E no Brasil atualmente, será que essa supervalorização das marcas é exacerbada, dado o processo histórico de colonização que tanto marcou o comportamento de autodesvalorização do povo em geral?

    Se Gil Vicente escrevesse o Auto da Barca do Inferno hoje, certamente não poderia faltar a figura do publicitário do consumo. Mas se a religião vigente é do Capitalismo, este seguiria com o anjo, infelizmente.

  5. Como muito bem alertou um comentador no post: que discurso inflamado de dogmatismo, para o qual não há saída. O que vejo bem ao fundo, no horizonte é a morte do sujeito. Não, não, ele já morreu nesse momento também. Ahhh, por favor, sem análises simplistas, hein?
    Como falar de morte do sujeito? Pensar a morte do sujeito é pensar a morte do mundo, o deserto no lugar da vida. E daí esquecemos que o mundo só é possível na relação entre os homens. Relação essa que os homens criam a partir do seu encontro com a pluralidade. Pensar a morte do sujeito, por essas vias, é pensar que os seres humanos não são capazes de criar o seu mundo.
    O desejo, a liberdade o pensamento , o que são? Apenas elementos de um devir histórico? São tão iguais em todos os casos como o próprio homem encaixado arbitrariamente na ideia de humanidade? E daí eu pergunto, onde está a pluralidade? Falamos tanto de diversidade. Tanto, tanto, tanto. Mas será que ela só serve em alguns momentos? Tá bom!
    Entender a liberdade como recusar-se a ação é um tanto simplista. Temos que entender a ação como um novo começo, e todo nascimento como ação, neste sentido, não há tantas certezas a se declarar.
    A saída é arte? Bom, parece –me paradoxal, não? A arte não é feita pelos sujeitos? Ou de que sujeitos estamos falando?

  6. Não entendo a razão de tantos “murmúrios” em torno do texto da Marcia Tiburi. Além do que ela afirma, experienciamos tempos de fascinação por badulaques provenientes do campo da tecnologia, aptos a nos aplicar injeções de sensações midiáticas alucinantes, velozes, cujo objetivo é alterar as percepções do sujeito para melhor manipular e dirigir as suas ações.
    A questão fundamental a se pensar é como resistir a tudo isso, a essas mudanças ou mutações sofridas pelo sujeito rumo ao inumano. Quiçá a poesia seja a saída. Ponto de partida para uma rigorosa reflexão!

    abs do Sílvio.

  7. E como por de trás das marcas há personalidades, pessoas com seu ‘EGO’ lá nas alturas, assim fica difícil para nós, mortais, lutarmos por uma sociedade igualitária, devemos sim , detonar o eguinho torpe que carregamos em prol de uma sociedade mais justa.

  8. Consumir uma categoria de pensamento, filosofia e abdicar do “mercado comum”, é uma espécie de adoração a sabedoria, conhecimento,
    uma citação feita em um artigo na carta capital que não me lembro o autor…
    “Onde existe a pena de morte, a população não quer apertar o gatilho/acionar
    botão da cadeira elétrica, mas o faz indiretamente, aprovando e permitindo
    que leis em seus estados assim existam, sem tomar ação contra.
    Muitos preferem deixar outras pessoas tomarem decisões por si.
    Qual o mal nas escolhas que fazemos na vida ?
    As vezes o conhecimento é benéfico, nos deixar mais atentos, sabemos “escolher” as opções, no entanto até que ponto nosso ego pode ser modificado
    achando que por ter mais conhecimento, de literatura, por abrir novos “horizontes”, indica que isto é o melhor ?
    Claro que a total falta de conhecimento de leis, literatura, história, geografia,
    pode nos anular em várias questões, mas e a felicidade de se viver uma vida
    onde você não encontra/conhece tantas barbaries para a “evolução”, da sociedade, capitalismo, lucro com mortes em guerras civis/militares.
    Etendo que a vida é feita de escolhas e a pessoa mais com menor cultura pode escolher entre entender, ou fazer como muitos entendem de muitas coisas, tem a sabedoria, mas não pratica, podemos ser consumistas de marcas de livros ou vestimentas…
    Não deixar de ser uma adoração em nenhum dos casos carro/ literatura francesa/inglesa…
    …Enfim gosto não se discute, mesmo que imposto sublinarmente, “democracia”.

  9. O texto, apesar das e justamente pelas ressonâncias ou dissonâncias acadêmicas, propicia um incômodo interessante e provocativo, sobretudo para se instaurar um debate e provocar em poucas linhas. Como não se trata de um livro, tese, dissertação etc., mas de um texto de poucas linhas, ele consegue sintetizar com felicidade as principais ideias da teoria crítica frankfurtiana, sem tocar nesse nome, mas convidando à averiguar. Achei interessante para trabalhar com estudantes, sobretudo os secundaristas.

    Obrigado pela contribuição!

  10. Textos assinados pela fil´sofa Márcia Tibúri são, sempre, textos mais do que antológicos, ontológicos e desobscuressem o obscurantismo intelectual contemporâneo feito de frases feitas, pensamentos aleatórios e psitacismos delirantes que falam, mas não dizem quase nada. Wilson Moreira, de Curitiba, PR.

  11. Este é um assunto complexo, pois estamos analisando o culto as marcas do ponto de vista de consumo e status, mas se analisarmos do ponto de visa das relações humanas em uma sociedade, veremos que nós homens sempre estamos tentando formar grupos com desejos em comum, e o capitalismo apenas transforma isto em “bens” e “marcas”, mas se nos fosse tirado tudo isto, e voltássemos a época das cavernas, em pouco tempo nós estaríamos novamente formando grupos com desejos em comum, e desdenhando os demais, por não fazerem parte de nosso “grupo”. No momento que eu vestir uma roupa com pele de algum animal diferente, um minuto depois, mais alguém ver querer estar se vestindo algo diferente também ( e ser diferente dos outros ). E não há capitalismo, comunismo, socialismo que mude isto, seria necessário transformar o mundo em um “templo de monges budistas” para mudar o modo do homem pensar. Se estivermos em uma sociedade socialista, estaremos descontentes por não possuirmos liberdade para “fazermos diferente”, ficaremos estagnados e sem vida. Já se estivermos em uma sociedade capitalista, estaremos descontentes pela sociedade não ser igualitária. É por isto que os sistemas de governo que mais deram certo, possuem qualidades de ambos “capitalismo” e “socialismo”. Deixem livres o culto as marcas e ao consumo, isto faz parte de nós, e com o dinheiro que isto gera, procure educar seu povo para conseguir ver com seus próprios olhos, que o mundo não é só “marcas e consumo”, e que não é necessário virar escravo disto, que deve haver um sempre um equilíbrio.

  12. ‎Gostei muito do artigo, bem interessante e incisivo! Em um mundo em que a publicidade, as marcas e o culto à imagem imperam, alguma coisa está errada.
    “Você e eu não somos marcas. Nossos pais não nos criaram para sermos marcas”. Essa frase é de um livro muito interessante que estou traduzindo para o Português (Doc Searls – The Intention Economy, When Customers Take Charge).

  13. amigos, tem um livro, hidden persuaders, Vance Packard, que trata sobre a questão de como a psicologia é usada a favor do marketing. A Márcia abordou com muita clareza o resultado, achei ótimo o artigo. Para mim, os poderosos que vendem estas marcas querem que o cidadão (consumidor) se sinta “especial”, único, feliz, e tudo de bom, qdo ele adquire um determinado produto seu. Lógico que existem cidadãos q compram determinada marca, mas não se “acham” o tal, compram porque querem e pronto, sem essa de “ai, eu sou fodão!”..mas, a maioria, como frisou Márcia, fica nessa de ilusão e que o objeto comprado é uma chave que abre o portal da felicidade e como toda ilusão, se desfaz no ar…
    Abraços

  14. Eu prefiro comer picanha do que patinho. E ninguém precisa saber que estou a comer uma carne de maior qualidade.

  15. Eu achei o texto válido e corretamente direcionado, embora tenha as minhas ressalvas. Eu sei que não é o mote do texto, mas gostaria de lembrar que não podemos negar o avanço da tecnologia nas “coisas”, qualquer coisa. O que pega, na verdade, é a relação do individuo a marca e não ao produto, justamente para se diferenciar, que é o que, de uma forma geral, foi abordado no texto. Eu uso marca pq eu gosto do produto, é de mais bom gosto, porém, eu não pago por ela (e não pagaria se fosse preciso), só não me pergunte como eu faço isso, é segredo 😉

  16. Coleção de lugares-comuns anti-capitalistas e anti-consumistas. Nenhuma reflexão própria da autora sobre o tema. Filosofia não é um título acadêmico, é uma predisposição de investigar, de olhar com outros olhos, de ser curioso… Essa articulista nunca me pareceu obedecer a nenhum desses critérios: é uma diluidora rasa de ideias alheias, claramente orientada ideologicamente. Qualquer estudante de filosofia, jornalismo ou história que faça parte de movimento estudantil e queira mudar “tudo isso que está aí”, escreveria com a mesma consistência…

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