Notícias de outras ilhas: Reuben
O poeta, artista sonoro e visual Reuben (Foto: Divulgação)
Reuben (São Luís do Maranhão, 1984) é poeta, artista sonoro e visual. Seus trabalhos mais recentes são os livros Estrelas brilham, mastigam lixo (Jabuticaba) e Um pensamento estranho atravessa o meu crânio e desce até as entranhas (Luna Parque), além do disco de poesia sonora REUBEN!?, disponível digitalmente. Praticante de tai chi chuan e meditação tibetana, tem aproveitado as atuais circunstâncias para viver não o isolamento, mas algum silêncio verdadeiro, concentrado e vagaroso. Os dois poemas de P’ang Yün que apresenta aqui foram traduzidos do inglês, da antologia de poesia sacra The Enlightened Heart, organizada por Stephen Mitchell.
Leia abaixo os poemas e o comentário de Reuben. A seção “Notícias de outras ilhas”, em que poetas, tradutores, editores e críticos sugerem leituras para o período da quarentena, tem curadoria de Tarso de Melo.
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Meus afazeres diários são bastante comuns,
mas estou em completa harmonia com eles.
Não me agarro a nada, e nada rejeito,
em nenhum lugar um conflito ou obstáculo.
Quem liga para dinheiro e fama?
Até as coisas mais pobres brilham.
Meu poder milagroso e proeza espiritual:
apanhar água e carregar lenha.
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Quando a mente está em paz,
também o mundo está em paz.
Nada é real, nada irreal.
Sem agarrar-se à realidade,
e sem prender-se ao vazio,
você não é sábio nem santo, só
um camarada comum que concluiu sua tarefa.
P’ang Yün (740 – 808), mais conhecido como o Leigo P’ang, foi um devoto dos primórdios do budismo Ch’an, a vertente chinesa que depois viria a ser conhecida como Zen no Japão. Comerciante abastado, ao se aposentar juntou todas as suas posses num barco e o afundou em um rio, passando a viver, com sua família, da venda de utensílios de bambu, em contínua peregrinação a templos e em visita aos grandes mestres da época. Nestes poemas tão despojados revela-se muito acessível uma via meditativa que, acredito, pode trazer grandes benefícios neste momento de recolhimento coletivo e compulsório que atravessamos. A chance de harmonizar-se nos pequenos afazeres que talvez nem sempre se apresente àqueles que vivem agitadas vidas urbanas. Já pensou, a aventura de dobrar um lençol?