Notícias de outras ilhas: Leonardo Marona

Notícias de outras ilhas: Leonardo Marona
O escritor Leonardo Marona (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Leonardo Marona (Porto Alegre-RS) nasceu no dia 4 de fevereiro de 1982, em Porto Alegre. Publicou os livros: Pequenas biografias não-autorizadas (poesia, 7Letras, 2009); l’amore no (poesia, 7Letras, 2011); Conversa com leões (contos, Oito e meio, 2012); Óleo das horas dormidas (poesia, Oficina Raquel, 2014); Cossacos Gentis (romance, Oito e meio, 2015); Herói de Atari (poesia, Garupa Edições 2017); Dr. Krauss (novela, Oito e meio, 2017); Uma baronesa às quatro da madrugada (poesia, Ed. Urutau, 2018).

Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena – indica poemas de Dylan Thomas, Anne Sexton e Orides Fontela. A seção é curada por Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário da poeta abaixo.

 

Dylan Thomas porque é para mim o poema mais bonito que já li em língua inglesa (no original “In my craft or sullen art”), além do fato de Thomas ser um poeta ainda obscuro e pouco lido, apesar de ser um gênio de marca maior. Diante deste poema, qualquer tradução acaba sendo uma espécie de assassinato. De todo modo, tentei fazer uma tradução que me agradasse mais musicalmente do que as disponíveis. Acho que fiz o morto dançar, pelo menos. Anne Sexton porque é o poema mais honesto que já li sobre suicídio, que para mim é um assunto muito caro, principalmente em poesia, um gênero que, em seus pontos altos, está sempre a um passo da morte e dois da vida. Apesar de ser alguém que acabaria mesmo se matando, falando diretamente disso, ainda assim, Anne Sexton caminha na direção da vida. A tradução também é minha. E Orides Fontela porque ela fez 80 anos neste mês e porque considero que ela seja talvez a mais subestimada poeta do Brasil. Mestra da concisão, um estilo inigualável. Minha dica audiovisual para a quarentena é a série documental Sea of faith, realizada pelo Don Cupitt, com biografias de filósofos e seus conceitos. Para um leigo como eu, é muito estimulante e clara. Tem tudo no Youtube.

***

Em meu ofício ou arte sombria

Dylan Thomas

Em meu ofício ou arte sombria
Exercitada na noite tranqüila
Quando só a lua se enfurece
E os amantes deitam acamados
Com toda tristeza em seus braços,
Eu trabalho sob a luz cantante
Não por ambição ou por comida
Ou pompa e tráfico de feitiços
Sobre os palcos de marfim
Mas para os simples assalariados
Do seu coração mais secreto.

Não para o orgulhoso apartado
Da lua enfurecida de onde escrevo
Sobre estas páginas enevoadas
Nem para as pilhas de cadáveres
Com seus rouxinóis e salmos
Mas para os amantes, seus braços
Que abraçam as dores dos séculos,
Que não me pagam ou me veneram
Nem conhecem meu ofício ou arte.

***

Querendo morrer

Anne Sexton

Se quer saber, na maioria dos dias não me lembro.
Ando na minha beca, desmarcada por essa viagem.
Então a quase inominável luxúria retorna.

Mesmo agora não tenho nada contra a vida.
Conheço as lâminas de erva que você mencionou,
a mobília que você posicionou debaixo do sol.

Mas suicídios têm uma linguagem especial.
Como carpinteiros, querem saber que ferramentas.
Eles nunca perguntam por que construir.

Duas vezes eu tão simplesmente me declarei,
havia subjugado o inimigo, engolido o inimigo,
arranquei dele sua arte, sua mágica.

E desse jeito, pesada e pensativa,
mais quente que óleo ou água,
eu descansei, escorri pelo buraco da boca.

Não pensei no meu corpo a ponto de agulha.
Mesmo a córnea e a urina dispensada se foram.
Os suicídios acabaram de trair o corpo.

Natimortos, nem sempre morrem,
mas, cegos, não podem esquecer droga tão doce
que mesmo as crianças olhariam com sorriso.

Confiar toda essa vida debaixo da língua!—
aquilo, por si próprio, torna-se paixão.
A morte é um osso triste; partido, você diria,

ainda assim ela espera por mim, ano a ano,
para delicadamente desfazer a velha chaga,
para me tirar o fôlego de sua prisão ruim.

Equilibrados ali, suicídios às vezes se cruzam,
com raiva das frutas, uma lua estourada,
deixando o pão confundido com um beijo,

deixando a página do livro aberta sem cuidado,
alguma coisa não dita, o telefone fora do gancho
e o amor, seja lá o que tenha sido, uma infecção.

***

Noturno

Orides Fontela

Os que nascem de noite
e, entre ossos, vigiam
o fogo
os que olham os astros
e, oprimidos, respiram
em cavernas
os que vão viver apesar
da escuridão e nos olhos
a luz clandestina
acendem
os que não sonham, os que nascem
de noite
não vieram brincar: seu peito
guarda uma só palavra.


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