Notícias de outras ilhas: Julio Mendonça
O poeta Julio Mendonça (Foto: Marco Aurélio Olimpio)
Julio Mendonça nasceu em São José do Rio Preto em 1958. É poeta, doutor em Comunicação e Semiótica e coordena o Centro de Referência Haroldo de Campos, na Casa das Rosas. Foi o curador da exposição “Esdrúxulo! 100 anos da morte de Augusto dos Anjos” e organizou os livros Poesia (Im)Popular Brasileira e Que pós-utopia é esta?. Publicou o livro Democratizar a participação cultural e as plaquetes De ‘A’ a Zukofsky e Poesia, Memória e o presente que nos arrasta.
Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena – indica poemas de Djami Sezostre, Eliane Marques e Gil Jorge. A seção é curada por Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário do poeta abaixo.
O impacto que a epidemia atual está provocando em todos nós deveria nos fazer ver que, afinal, o que chamávamos “normalidade” era ilusório. A normalidade é uma mentira que nos entorpece e pela qual pagamos um preço alto. Melhor é a mentira da arte e da poesia que, por saber-se e afirmar-se mentira, é mais capaz de algo genuíno. Mas, se a vida não basta (como escreveu Pessoa), temos que confessar que a poesia também não. Isolados pela epidemia, podemos avaliar o quanto já estávamos isolados antes de seu advento; ansiamos, agora, pelo retorno aos espaços abertos, para abraçar ou repelir com nomes novos as ruínas de um mundo velho. (Até recentemente, não conhecia a poesia de Eliane Marques; devo a Ricardo Aleixo esta aventura.)
O sertanista
Djami Sezostre
A cal!sgrafia a exxtranha
Cães ligrafia de meu pai que nascia e visvia
E naonascia e naovisvia o meu pai e seu
L’pis do camminnhar atravês vés a
Caligrafia aestranharme aentranharme
Caligrafiafira de um sertanista um dia
Um sertanista e ele o meu pai
Aiodfadsfdsajhfjsdafsdafsdafusdfsda
E não quero mais escrever xxzxx
Uma vaca é uma vaca é uma vaca
E uma rosa então é uma rosa então é uma rosa
Mas a vaca não é uma vaca e a rosa não é uma rosa
Afinal, quem vai entender o que é para entender,
Emtemda, extrume, excrementos
A mão extramha a fala extramha o falo extramho
Em O pênis do Espírito Santo, 2017
***
[Sem título]
Eliane Marques
se mancenilhas na língua
norma de pedra e sabão
se às prontas tortilhas
dois pulos
sobre as patas do boi
se o sôngoro sabe
se contra o couro
querela a savana
e se irene não-à-lei
e se irene não-sinhô
e se não-tão-preta
e nem-tão-boa
e se ainda aos piores mortos
o amém das moças
e se não-não-iá-iá
e se tome
e se ainda o amontoado atamanca
e se alguém o pano
disfarçá-lo com um manto
a animália-dilúvio
a cruz-escudo
a rotina dos túmulos pela úmida vez
au-delá
oh gente do Alabama
tombem as louças contra a lâmina
seu manuseio – a convenção mais antiga
banida dos brasões (aqueles)
ranhura na sala dos infantes
Em e se alguém o pano, 2015
***
Entrelinhas
Gil Jorge