Lévi-Strauss e a paixão pelo Brasil

Lévi-Strauss e a paixão pelo Brasil
O antropólogo Claude Lévis-Strauss em seu escritório no Collège de France (Foto: Divulgação/Collège de France)

 

Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, em 28 de novembro de 1908. Estudou Filosofia e Direito em Paris, mas ganhou reconhecimento mundial com seus estudos etnológicos. É considerado o criador da Antropologia Estrutural e um dos maiores pensadores do século 20. Lévi-Strauss veio ao Brasil pela primeira vez em 1935, integrando a missão francesa que participou da criação da Universidade de São Paulo. Tinha 26 anos quando ocupou a cadeira de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP. Entre 1935 e 1939, viajou pelo país e desenvolveu pesquisas etnológicas com índios kadiwéus e nambikwara. A experiência brasileira foi descrita, anos mais tarde, em 1955, no livro Tristes trópicos, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Com a ocupação da França por tropas alemãs durante a Segunda Guerra, o etnólogo instalou-se nos Estados Unidos e deu aulas na New School for Social Research, em Nova York. Ao retornar à França, Lévi-Strauss assumiu a cadeira de Antropologia no Collège de France, em Paris. Entre suas obras: As estruturas elementares do parentesco, O pensamento selvagem, Antropologia estrutural e As mitológicas, obra dedicada ao estudo dos mitos de povos indígenas americanos, publicada no Brasil pela CosacNaify. Desde 1973, Lévi-Strauss é membro da Academia Francesa de Letras.

Leia, a seguir, a entrevista exclusiva concedida por Lévi-Strauss ao antropólogo brasileiro Marcelo Fiorini, em novembro de 2005, um dia depois de seu aniversário, em seu escritório no Collège de France. A entrevista fará parte de um livro que o pesquisador brasileiro publicará este ano pela Survival International dentro de uma coleção reservada a temas relacionados a povos índigenas do mundo. O objetivo central é chamar a atenção do público brasileiro e do mundo para a situação dos povos indígenas do Brasil e, em particular, dos nambikwara, grupo do qual Lévi-Strauss ainda guarda as melhores lembranças de sua carreira como etnólogo.

Os nambikwara têm hoje várias de suas aldeias ameaçadas: no rio Sararé, por uma indústria de mineração que tenta impedir a demarcação de uma área pleiteada pelo grupo; no Vale do Guaporé, pela destruição contínua das florestas e pela indústria madeireira e, na aldeia Wakalitesu, onde Lévi-Strauss morou, pela penetração do plantio da soja nas áreas indígenas do Cerrado.

Que recordações o senhor guarda do Brasil?

Eu guardo as melhores lembranças da minha estada em São Paulo e entre os índios. A cidade de São Paulo, onde eu vivi, porém, e mesmo a que revi em 1985, quando retornei ao Brasil pela única vez, para acompanhar o presidente francês que fazia uma visita oficial, não tinha mais nenhuma semelhança com aquela de 1935. Era um outro mundo.

Pode-se dizer que os índios ainda vivem hoje sob a força destruidora do processo do colonialismo, que continua avançando sobre as regiões ainda preservadas do país. O que o senhor espera hoje para os nambikwara e para os outros índios do Brasil?

Eu desejo ardentemente que as autoridades brasileiras se interessem por eles e que deem meios para que cada grupo indígena possa prosseguir vivendo de forma independente. Evidentemente que não será da forma tradicional que eles viviam antes e que eu presenciei, mas, em todo caso, é preciso permitir-lhes escolher livremente entre o que eles querem conservar de suas tradições e de suas formas de vida e o que eles querem emprestar da cultura ocidental.

O que o senhor pensa da situação do mundo atualmente?

A questão que domina verdadeiramente meu pensamento há muito tempo – e ainda mais nos dias de hoje – é que quando eu nasci havia 1,5 bilhão de habitantes sobre a Terra. Quando entrei para a vida ativa profissional e fui morar com os bororo e os nambikwara, dois bilhões, e agora há seis bilhões. Em poucos anos, serão oito ou nove. Aos meus olhos, esse é o problema fundamental do futuro da humanidade e, pessoalmente – embora isso não tenha importância porque eu não estarei mais aqui -, eu não vejo muita esperança para um mundo assim tão cheio.

A visão ou perspectiva que o senhor tinha ou tem sobre a antropologia mudou através dos anos de sua carreira?

Não foi tanto meu pensamento que mudou, mas o que constitui o objeto do nosso estudo. Claro, aqueles a quem chamamos outrora de povos primitivos ou de povos sem escrita não estão mais nas condições que pareciam estar quando eu iniciei minha carreira. Portanto, a antropologia que eu aprendi, essa que eu pratiquei desde o princípio, certamente não poderá ser a mesma em pouco tempo. Vocês podem, talvez ainda, e principalmente no Brasil, conduzir a antropologia com um espírito mais tradicional, contudo, vocês sabem melhor do que ninguém que os seus dias estão contados.

Leia a íntegra no livro CULT 20 anos – Melhores Entrevistas

Marcelo Fiorini é antropólogo, fotógrafo e documentarista

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